Gosto de limpar os ouvidos. Retirar a cera laranja amarronzada que nele se acumula. Esse ritual se torna um suplício metódico, um hábito masoquista. Pois para ter cera o suficiente para me deixar satisfeito, preciso ficar dias, semanas, sem limpar meus ouvidos. Até que chega o grandioso momento, com os cotonetes mais macios, adentro meus orifícios e retiro o mal que lá se decompõe. Na verdade a cera não é um mal. Me protege do mal exterior, mas a medida que com ele se envolve já não se sabe mais o que é. Muda de natureza, então devo removê-la.
Ela vinha todo dia, não a cera, a moça que vos apresentarei. Não era a mais bela criatura existente sobre a terra, mas era bela. Creio beleza seja algo relativo e por minhas mãos passaram algumas incontáveis variáveis dela. Eu poderia descrevê-la em minuciosos detalhes, cheio de aforismas e poesia barata, mas não farei. Para dar contorno à sua imaginação, direi que seus seios cabiam em minhas mãos, possuía um sinal amarronzado no ombro esquerdo, os cabelos encaracolados, uma boca pequena, cujos lábios sempre estavam com pequenas rasuras devido ao hábito de mordê-los com frequência.
Morder os lábios era um ritual para essa moça tal qual tirar a cera do ouvido era para mim. Ela chegava e abri a porta, estava eu sentado em frente minha escrivaninha como de costume com um estúpido palheiro pendendo da boca e um copo suado de gelo, cheio de vodka e alguma mistura aleatória. Eu sorria, um sorriso falso de contentamento, há tempos a companhia frequente de pessoas me irritava. Mas de certa forma ela amava-me e ignorava todos meus defeitos misantrópicos.
Meu fascínio pela cera ela desconhecia. Bom, ela chegava, beijava-me e se atirava no velho sofá às minhas costas. Virando eu via seus olhos repletos de um alegria que eu sempre desconheci, e fazia a mesma pergunta: Porque essa felicidade? Respondia-me que era feliz e ponto. Eu sorria sem fazer meus pormenores acerca da felicidade. No sofá a tomava em meus braços. Beijava-a por completo e esforçava-me ao máximo para vê-la chegar ao clímax. Desejando vê-la exausta a ponto de recusar, por cansaço, o sexo tradicional. Pois tudo o que eu não queria era fazer sexo.
Abatia-me há tempos uma incompreensão sobre o sexo, que durante o ato eu fazia tratados filosóficos sobre o tema, e fingia gozar ( não contarei aqui, como um ser que detêm um pênis pode fingir um gozo).Além dos grandes tratados, minha mente vivia cheia de imagens desconexas de coisas fantasiosas, ora saídas de um contos de fadas ora saídas de um macabro filme de terror.
Mas como era insaciável a doce criatura, eu a penetrava. O vai e vem completo em variadas posições, cuja trilha sonora era emoldurada pelos seus gemidos e meu arfar. Arfar esse que eu fazia questão de tornar teatral, como sendo um desejo voraz de possuí-la e não o que realmente significava: um tédio completo.
Foi no 432º dia de sua aparição, que eu a chupei com toda minha vontade vê-la gozar, por talvez fosse a última vez que a visse. Observei seus lábios róseos, pulsantes e vorazes, os massageei com meus dedos, levemente levei minha boca à eles, e num conjunto de movimentos de mão e língua dei à ela todo prazer que podia dar. Feito isso, levantei-me. Busquei 3 potes contendo a cera guardada de meus ouvidos por bons anos. Pedi que deixa-se eu lambuzá-la com aquela essência, oriunda de mim, que eu tanto apreciava.
Com arredia ela recusou quando percebeu do que se tratava. Falou-me alguns impropérios, disse que sabia de minhas estranhezas, mas essa era demais. Questionou-me porque como um homem qualquer eu não me satisfazia com a explosão de meu sêmen em qualquer parte de seu corpo, que nem todas mulheres, por exemplo, gostavam de levar porra na boca, mas ela estava ali, disposta a tudo que eu quisesse.
Na verdade, quase tudo. Foi colocando suas roupas, ainda lembro de sua saia colorida , e saiu porta a fora. Deixou a porta aberta, deixou-me com meus potes de cera. No fim das contas, eu nem sabia se queria mesmo cobri-la com a cera de meus ouvidos, queria na verdade achar um limite para as vontades dela, e assim livrar-me do sexo diário.
Mais uma vez minha cera do ouvido salvou-me do mundo.
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