CONFISSÕES DE UM COSMOPOLITA I


Andava apressado. Caminhando abruptamente. Espalhando o sol da cara, para não queimar o que sobrara para queimar no inferno. Andava. Redomas de cetim mui elaborados caíam sobre a tarde de fim de verão. E um friozinho, desses de dar pequenos tremiliques nas pernas, dava o ar da graça. Ar esse que eu respirava e não obstante, ela também sugava. E era uma estátua grega estonteante. E meus olhos, corrompidos pelos desejos carnais e infames do mundo, queriam devorá-la. Isso não seria o grande problema. Os desejos são parte da nossa natureza humana. Mas meu desejo era mais problemático do que o comum. Embora possa supor que ele concretize-se comumentemente nas mentes de muitos homens. Eu queria devorá-la com violência. Uma vontade espontânea de usufruir de um falso poder ancestral. De dizer, tu és minha, e “pá”. Derrubá-la, arrancar partes de sua roupa e penetrá-la com a fúria descontrolada e sem propósitos. Só assim gozaria sobre aquele corpo de curvas, que embutidas em minha imaginação, dariam-me prazer.

Estava me reduzindo a tudo aquilo que eu condenava. Perdia-me, não em pensamentos libertinos e naturais, perdia em uma concepção criada para sobrepujar o feminino. A essência libertina, ou pelo menos a interpretação pós-moderna da libertinagem, que eu criara em minha mente, não condizia com isso. Abstraí-me. Se existem os deuses, foram sábios nesse momento. Distraíram-me com a beleza de um exótico Beija-flor. Raro ser por esses tempos. E ali. Petrificado. Esqueci-me de destruir a alma de uma beleza. Admirava agora a beleza penosa. Bela e rara. O dia podia ter terminado assim.

Mas, com a volúpia desenfreada, de um ser frustrado e problematicamente caótico, tomei o pequeno pássaro nas mãos. Tarefa que até hoje não sei explicar. E arranquei sua singela cabeça. Indo para casa. Com o cadáver na pequena mochila. Estirei-me no sofá. Acendi um cigarro. A mão esquerda segurando meu câncer, a mão direita esfregando o cadáver do prazer em meu pau.

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