EDITORIAL - VIGÉSIMA OITAVA EDIÇÃO!
Todo ser vivo quer, em primeiro lugar, sobreviver. O resto é adereço. Ornamentação inventada. Desejos de egos inflados. Não aceitação da sua natural condição: Insignificância. Ostentando poderes, credos, torres, amores , angústias, esquece-se de que é mero acaso. Que no fim, nada possui significado. Não existe planos perfeitos nem aqui, nem depois. Somos obra do aleatório, e não servimos à nada, à ninguém, nem para nada, nem para qualquer coisa.
Mas, esquecer é o nosso remédio. Nos deleitamos da forma que der e vier. Ah, e não esqueceremos aqui do amor. Sim. Que faz indivíduos terem esperança de sobreviver. Moribundos sobrevivem porque amam e só. Esquecem da primeira regra, sobreviver é apenas sobreviver. E assim seguem, realizando-se ou não. Correndo atrás de suas paixões, com buques de flores se despedaçando, ao som de porta fechadas. Ou ainda, introduzindo-se sem consentimento em orifícios já desfalecidos, sem vida. Inventando em suas cabeças um falso amor recíproco.
O que será desses quando descobrirem a sua verdade metafisica, quando perceberem que são traços mal-acabados, sem objetivos, rascunhados em universo que em si mesmo é o nada e o não significado?
Não prossiga. Os dias são sempre iguais. Masturbe-se, numa tentativa torpe de desmantelar-se e virar um gozo sem esperança, um eco orgasmático se desmantelando no espaço sem fim.
O SENTIDO DE UM HOMEM (PARTE I)
Todos os
dias, ele tinha um ritual tão sagrado quanto os mais sacros dos
ritos: espioná-la. Ela morava no prédio do outro lado rua, eram
vizinhos de janela. Apesar de ela fechar as cortinas sempre que ia se
trocar antes de descer para a parada em frente do apartamento para
trabalhar era possível vislumbrar-lhe a silhueta. John sabia o
horário exato que deveria posicionar o seu olho certeiro entre as
cortinas da sua janela estrategicamente posicionada, sabia que
sempre, de segunda a sexta, com exceção nas quartas – quando ela
ia trabalhar em torno das 6h32min –, sabia ele que às 7h, com um
atraso ocasional de cinco minutos, ela estaria lá removendo a
camisola sedosa das formas macias, o sangue já corria violento pelo
corpo de John, sem perceber sua respiração ficava ofegante, os
sentidos primais projetavam-se além da rua, adentravam de assalto o
quarto dela e de seu corpo tomavam conta: o olfato deixava-se cair
chafurdado sobre o sexo da mulher, enterrava-se fundo nela e sugava
com o ar seus líquidos internos; o tato confuso tentava absorver
ensandecido todas as sensações do contato com a pele do corpo
inteiro, subindo e descendo dos seios às nádegas, sentido as curvas
e deixando-se fixar-se por uns poucos segundos no estreitamente da
cintura; os olhos singrando loucos todas as partes agora dominadas,
ia maximizando os demais sentidos, fechando-se rapidamente ante os
avanços do paladar, que absorvia o sabor de cada célula quase
fundindo-se com elas tamanha a força de seu percurso úmido do ânus
à boca passando pela vagina encharcada; a audição deixava-se
inundar pelos gemidos que não sabia ele ser de pavor ou prazer, e
quando dava-se em si os gemidos eram dele e só dele, suando e
ofegando olhava para si mesmo e via uma mão tomada de sêmen com
algum líquido jorrado na cortina, limpava-se rapidamente para vê-la
mais uma última vez na parada em frente de casa, naquela começo de
dia, lá estava ela, sempre com um vestido leve, hoje, ela estava com
o florido, John odiava aquele, porém não se importava, ele
caia-lhe bem de qualquer modo, assim como os cabelos lisos e talhados
com uma inclinação ascendente a partir da altura do pescoço, eles
iam-se subindo com esse corte até a nuca, os fios negros perdidos
quase sufocados pelas cabelos doirados em maior volume eram tal o
rosto branco com falhas perdoáveis um prêmio a ser conquistado e
cultivado – desse modo os pensamentos de John deixavam-se divagar,
mas não com a rudeza das palavras, antes formavam-se impressões
confusas que se manifestavam em sensações físicas contidas, tudo
mesclava-se numa nuvem de bem-estar que logo dissipava-se para ser
substituída por outra, aí ele pensava em como seria O homem para
ela e como ela deveria aceitá-lo por ele ser o único que até então
a amara verdadeiramente, seguia nesse auto-encanto por alguns minutos
todos os dias até que o toque do celular o impingia ao trabalho.
No
trabalho, entretanto, a produtividade do nosso amigo apaixonado ia-se
ao mundo das fantasias junto com John e sua amante de janela e lá
ficava com a cobiçada fazendo trabalhos que só no mundo dos
sonhadores tem forma, achegava-se até ele e sua amante, agora ambos
sentados sobre um toalha de piquenique perfeitamente desdobrada sobre
a relva reluzente, um sujeito carrancudo que só sabia falar “quer
um chocolate também? Quem sabe um cafezinho especial para um homem
especial?” Ao que respondia John: “claro, algo especial para um
homem especial e sua mulher especial; obrigado.” E sorria bobamente
enquanto olhava para ela ao mesmo tempo dando-lhe a mão em palma,
deixando os dedos cruzarem-se numa união afetuosa e recebendo em
troca um sorriso morno de alegria eterna que transmutava-se num rosto
barbudo com dentes amarelados pelo pior café que as repartições de
escritório podem oferecer:
“John! Parece que a sua mulher especial anda fazendo você bem feliz! Hahaha!”
“John! Parece que a sua mulher especial anda fazendo você bem feliz! Hahaha!”
O barbudo
apontava para uma mancha de sêmen não percebida por John antes de
sair e continuava:
“E
então? Qual foi o número? Aquela do última BBB? Ou será que você
prefere algo mais década de 90? Quem sabe uma Tiazinha ou
Feiticeira? Hahahha!”
Irrompeu o escritório quase que inteiro, ou melhor, no máximo, naquele momento, apenas aquela repartição em particular em riso tremendo que fez o nosso caro John procurar quase que convulsionado por um papel qualquer que lhe pudesse remover aquela mancha de seu estupro mental matutino e quem sabe recuperar-lhe alguma dignidade.
“Isso... I-i-i-i-isso não é o que você disse!”
“Ah, não?”
“Não!”
“Hehehe! Tanta faz – os risos diminuem e todos voltam pouco a pouco à simulação de trabalho habitual – tanto faz, John, o chefe precisa falar com você hoje de qualquer modo, e eu, como seu supervisor, precisava dar o aviso, considere-se avisado e, da próxima vez, limpe melhor as calças depois bater uma pra sua revista.”
Irrompeu o escritório quase que inteiro, ou melhor, no máximo, naquele momento, apenas aquela repartição em particular em riso tremendo que fez o nosso caro John procurar quase que convulsionado por um papel qualquer que lhe pudesse remover aquela mancha de seu estupro mental matutino e quem sabe recuperar-lhe alguma dignidade.
“Isso... I-i-i-i-isso não é o que você disse!”
“Ah, não?”
“Não!”
“Hehehe! Tanta faz – os risos diminuem e todos voltam pouco a pouco à simulação de trabalho habitual – tanto faz, John, o chefe precisa falar com você hoje de qualquer modo, e eu, como seu supervisor, precisava dar o aviso, considere-se avisado e, da próxima vez, limpe melhor as calças depois bater uma pra sua revista.”
AMOR-VERDADEIRO
O cheiro desconfortável de formol e outros produtos
impregnava o ar. Seis horas, permanecia ele por ali. Mas o costume é sempre a
salvação do homem, a adaptação, nossa melhor qualidade. Da clássica rotina,
casa e trabalho, ida e vinda, seguia ele. Jovem solteiro, de aspecto normal,
nenhuma singularidade, nem rara beleza. Com costumes simples. Vida de pequeno
burguês, assegurada pelo emprego vitalício no setor público. Amara uma ou duas vezes, platonicamente.
A diretora da escola, bela e estonteante mulher, no
auge de seus 41 anos, amor de escola.
Nenhum contato. No máximo, nutria ela um orgulho pelo nome do jovem que se
destacava nas Olimpíadas de matemática. Ele por ela masturbava-se diariamente. Findou
tudo com sua partida para a universidade. Cursou Direito, sem chegar ao
diploma. O seguro emprego público deu tudo que ele precisava. Durante os estudos acadêmicos enamorou-se por
uma jovem colega, que tinha nele um fiel
e companheiro amigo. Morria de dores, sozinho, quando deixava ela nas festas com outros belos rapazes. Nunca
dariam certo. Curiosa,
aventureira. Experimentava o
mundo. Ela era
assim, imprevisível. Seu único defeito, do ponto de vista simplório
dele.
As últimas notícias que recebeu da dita cuja se
originavam na Colômbia, estava percorrendo a América Latina sobre duas rodas e poucas
mochilas, sozinha. Ele nunca se arriscaria a tanto. Abandonar o conforto do lar simples e
aconchegante. O videogame e a tevê de última geração. O café expresso saboroso.
Alguns bons livros. E a paz plena da quietude. Nunca dariam certo. Seu maior
radicalismo era os 540 mls de vinho português e um baseado no fim de semana.
Mas falamos do amor, porque agora as coisas mudavam.
CUZINHO II
Esta é a história de um homem que sonhava com a imortalidade. Ele
acreditava que o ouro era o mais poderoso entre todos os metais. Ele acreditava
que o ouro era imortal. Este homem também acreditava que, caso conseguisse
sintetizar um ouro potável, tornar-se-ia imortal ao bebê-lo. Este
homem buscou, entre muitas árvores e bites, o local onde encontraria a
pedra filosofal. Sua crença de que com a pedra filosofal ele poderia sintetizar
ouro potável permaneceu inabalada por décadas.
Inabalada até tornar-se verdade. O tempo passou até que um dia
encontrou.
Com a pedra filosofal ele pôde
sintetizar ouro potável. Bebendo ouro
potável ele, teve uma surpresa. O homem descobriu uma
verdade metafísica. No momento em que o ouro potável tocou
em sua língua, ele sentiu uma verdade tão clara e indubitável em seu
espírito que nunca poderá duvidar dela. Muitos dizem que ele só teve acesso a
esta verdade porque agora estava vendo as
coisas da perspectiva de um imortal.
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