AMOR-VERDADEIRO




O cheiro desconfortável de formol e outros produtos impregnava o ar. Seis horas, permanecia ele por ali. Mas o costume é sempre a salvação do homem, a adaptação, nossa melhor qualidade. Da clássica rotina, casa e trabalho, ida e vinda, seguia ele. Jovem solteiro, de aspecto normal, nenhuma singularidade, nem rara beleza. Com costumes simples. Vida de pequeno burguês, assegurada pelo emprego vitalício no setor público.  Amara uma ou duas vezes, platonicamente.
A diretora da escola, bela e estonteante mulher, no auge de seus  41 anos, amor de escola. Nenhum contato. No máximo, nutria ela um orgulho pelo nome do jovem que se destacava nas Olimpíadas de matemática. Ele por ela masturbava-se diariamente. Findou tudo com sua partida para a universidade. Cursou Direito, sem chegar ao diploma. O seguro emprego público deu tudo que ele precisava.  Durante os estudos acadêmicos enamorou-se por uma jovem colega, que tinha  nele um fiel e companheiro amigo. Morria de dores, sozinho, quando deixava ela nas  festas com outros belos rapazes.  Nunca  dariam  certo.  Curiosa,  aventureira.   Experimentava  o  mundo.  Ela  era  assim, imprevisível. Seu único defeito, do ponto de vista simplório dele.
As últimas notícias que recebeu da dita cuja se originavam na Colômbia, estava percorrendo a América Latina sobre duas rodas e poucas mochilas, sozinha. Ele nunca se arriscaria a tanto.  Abandonar o conforto do lar simples e aconchegante. O videogame e a tevê de última geração. O café expresso saboroso. Alguns bons livros. E a paz plena da quietude. Nunca dariam certo. Seu maior radicalismo era os 540 mls de vinho português e um baseado no fim de semana.
Mas falamos do amor, porque agora as coisas mudavam. Entedia a plenitude  desse sentimento demasiado humano. Encontrara a si mesmo nesse desejo. O pleno amor através dela. Simples como ele. Delicada. Silenciosa. Perfeita. De sútil e mórbida palidez encantadora. Seus olhos sem vida, absorvendo a existência, eram a beleza pura vertendo para os olhos dele. Havia quatro dias que, da concha do destino, sua Afrodite brotara. Ele beijava-a como se fosse seu último dia na Terra. E ela correspondia com sua gélida alma.
 Todo dia, tinha-a em seus braços. Deitavam-se juntos. Amavam-se. Um gozo explosivo dele saía. O olhar dela continuava absorvendo o infinito. Delírios de prazer. Sabia que logo ela partiria. Não havia escolhas, para nenhum deles. Foram lindos cinco dias de amor explosivo, eterno e vivo. Logo vieram buscá-la.
O curso de Medicina necessitava de um jovem cadáver feminino para apropriadas explicações anatômicas. Catalogou-a como de praxe fazia com os demais corpos sem vida. Um lágrima escorreu, percorreu seu rosto e pingou sobre os lábios da Afrodite desfalecida. Disfarçadamente, escondeu sua dor e ordenou que o assistente a encaminhasse ao destino que a morte, ou a vida, a ela reservara.

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