DE TODAS AS MULHERES UMA, DE UMA DELAS, TODAS




Posso falar de todas elas, elas todas que em mim imprimiram contatos íntimos e vontades unas, de cada uma um desenho, uma paixão, uma impressão, e nem tantas assim foram, nem tantas assim foram... mas sinto-me homem singular, pois apesar de poucas, foram elas, sim, seres unos, massas sós de pensamentos muitos, múltiplos membros de linguagens particulares que tocaram cada qual em meus sentimentos de modo amplo. Amei-as todas sem distinção, em suas glórias e ainda mais em seus defeitos, e penso cá comigo que fora também amado em alguma medida, nem que pequena.

De Ana, lembro-me do sorriso sincero, os olhos castanhos e verdes, a cabeleira corrida e doce, o toque macio das mãos, a vontade faceira e triste que tanto me sugava em seu vórtice de genialidade e tolice. Sua mente era simples, mas complexa, preenchida com matizes singulares, abafados por vida pouca em sabores acadêmicos. Via nela uma morte parida em si mesma, uma alegria latente consumida em olhares vagos, uma espera peculiar por algo que eu nunca pude concedê-lhe. Escrevia ela uns poemas: uns versos de tristeza negra, umas letras de poesias dura. Nunca os li, nunca os degluti, vi d’olhos tão somente aquelas linhas que a mim agora se mostram em arrependimentos íntimos, todavia vazios, pois dela usufrui em toda a potência de minha, quem sabe em eco reforçado, indecência.
Conhecia-a, fremosa Ana, nem sei como, num sonho lúdico adolescente talvez, sob aquela capa rubra e negra que de ti tomei em noite tão peculiar. Lembra-te? Fora numa festa, numa simples acumulação de pessoas em que nossos lábios encontraram-se na vez primeiro da expressão de nossos desejos, e no chão sujo de nossas luxúrias, copulamos em gozos íntimos entre os roncos bêbados. E noutras noites tantas e preenchidas por desejos represados e lamúrias partidas porém agora unificadas, gozamos em comunhão nosso canto até que as vozes em fim de vida fosse tão somente um ruído mais que roto, coisa desgastada senão pelo bem mor que sempre se almeja, ao menos por nós mesmos consumidos por mim só, sempre desejoso por mulheres outras.
Noutra vida já mergulhado em plenitude após os tristes cortes de nossa relação, fiz-me vagabundo e ébrio, embalei-me solto nos braços da noite ampla e puxei para comigo a taciturna, que meu cérebro cisma em nomear, desde os dia em que a conheci, de “Baixinha”. Inocente e retraída, mas em verdade concentrada em seus desejos, esperando expandir o própŕio espaço a partir do desvio primeiro do pensamento puntiforme em eterna queda. Aproveitei-me, sim, admito-o, aproveitei-me da ida do seu pretendente primus, colega meu de noites tantas, para inundar-lhe os ouvidos com meu canto que brota frio para fazer-se morno nos limbos dos seus sentimentos mil. E de calor fiz uso ainda de meu corpo para aquecer-lhe a tez enquanto íamos para aquele limbo que outrora tu tanto odiastes, mas que após, felizmente após, tomas-te para ti feito segunda morada. Lembro-me ainda daquelas perninhas bambas, da penumbra perturbada pela estática silenciosa, do toque em conforto todo sob nós, das palavras de doçura reconfortantes que julguei-me capaz de proferir, da conjunção de nossas carnes desejosas e dos gemidos fundos de dor e de prazer que lhes escaparam da garganta, da marca rubra feito prêmio dum homem de pouca fé, das palavras de fenitude de nossa derradeira discussão que deixara indelével marca minha em ti cujo nome nem mesmo lembro.
À teceira chamei Mary, não que outros não houvera antes dela, não, só não foram pujantes para se tornaram unidades, foram umas meninas assim, frações de sentimentos, frações de emoções, de buscas, de ensejos, emulações que se somaram infinitamente num intervalo entre números inteiros, umas garotas belas em suas imperfeições e falta de unidade, que foi resgatada por ela, Mary, naquela madrugada na mesma casa noturna em que antes fazia eu as honras de grande mestre para a unidade anterior que agora se fracionava em noites embebes de luxúrias por mim ensinadas. Ia-se aquela, mas ficavas tu, Mary.
E fora no mesmo limbo, na sempre famigerada casa de desejos confusos em que nos encontramos. Virei-me para ti sem nem saber por quê, e disseste-me “que bela coma a tua”, e nos beijamos intensamente como se fosse aquela a derradeira oportunidade de nossas vidas, e mergulhamos na noite sempre dócil aos vagabundos e fizemos de nós sóbrios entre os ébrios, mas ébrios entre os sóbrios, infanados de belezas por nós mesmos inventadas, envoltos em luxúria que se ia acumulanda a cada encontro em cada noite, pois só na noite nos alimentávamos, e fomos livres um com o outro e gozamos amores aqui e acolá, apesar de sempre os abandonar em prol de nós mesmos. Daquele garoto que ti acompanhava certa noite, diversão singular fora a nossa ao nos beijarmos enquanto ele inocentemente se ia em busca duma ou doutra cerveja para molhar-lhe os lábios, feitos dois amantes em pleno brinquedo, sugamos um o lábio do outro, e línguas se uniram num amplexo ligeiro, desordeiro, tépido… Brinquedo. 
 
E da noite então quando nos unimos? E das andanças pela cidade com seus olfatos indecifráveis? Caminhamos de mãos unidas feito namorados uma só vez, porém dessa vez ainda sinto o seu calor, a mão deixando-se envolver-se pelo anelo de meus dedos, a fragilidade atraente que em mim vossa forma despertava não só desejo, eram também carícias do espírito, o estado de tranquilidade que beirava ao Nirvana, sua voz, que apesar de não superar melodia outra que em minha carne cravou veios jamais alcançados, apesar disso emanavas um canto suave que me acariciava as pressões, os desesperos, as misérias humanas enfim, as misérias que me abalavam naqueles tempos de incerteza que hoje ainda persistem. Fizemos de nossa noite, de nosso sexo um brinqueto só, pois dormimos ambos ainda em pleno gozo da potência daqueles prazeres hedonistas! Dormimos, pois, um sobre o outro.
Noutro dia acordei-me adoecido, ora essa! Que noite era aquela afinal? Após tamanhos sentimentos, padecia eu duma moléstia qualquer que me atacava a minha sempre frágil garganta, ora essa! Que bela maçada aquela, no entando, cuidas-te de mim durante um dia todo, os remédios foram por ti administrados, a comida do doente e tudo o mais que um moribundo de saúde débil poderia desejar. De suas palavras, contudo, vieram a cura da moléstia, a convalescência quase mágica que arrancou de mim sorrisos forçados que se fizeram verdadeiros só para alegrar-te o rosto macio. Fomos felizes na brevidade e na brevidade nos fizemos grandes e eternos.
Rafela, estava eu recuperando-me das tristezas vis do relacionamento anterior - Mary esbofeiteou-me por ter de todas as mulheres disponíveis escolhido a única que ela odiava - quando apareceste. Nem a ti queria, lembro-me, era a sua amiga: apesar de passada a descrição, era uma legítima ninfa ruiva de corpo esguio. Desde há muito a cobiçava, desde que a vi numa rede social qualquer, marquei para comigo o desejo e calibrei a alma para alcançá-lo, quando tive a chance, aproximei-me por meio de amigos comuns e comecei o meu show, que falhou… Só que na falha cai em ti ou tu em mim, Rafaela, e ainda vejo seus olhos de surpresa quando a convidei para o meu apartamento naquele fim de noite. Pelo caminho já íamos nos abraçando com pudor, quando sozinhos nos percebemos não mais seguramos nossos ímpetos, as blusas foram removidas com indelicadeza e velocidade, queríamos tocar nosso corpos, sentir o calor, os mamilos, os cabelos, o toque pujante e apertado que nos colocaria em comunhão pagã. Teu beijo era forte, tive dificuldade, admito hoje, em acompanhá-lo, de segurá-lo em minha boca, escapava-me ele, era selvagem, não o podia controlar, senti-me impotente, mas destemido, persegui a doma e conquistei-a. Tive-a por duas e somente duas vezes, duas vezes incomparáveis que não mais repetimos sei nem por quê.
Qual era a outra? Ou será que ela veio antes e agora não mais recordo-me? Tinha um apelido de astro e umas feições incomuns, ameia-a quase, talvez até verdadeiramente quem sabe, não eu, certamente. Acidente funesto nos uniu, lembro-me daquela sangue banhando minhas vestes, quiça o episódio mais duro que eu jamais vira pessoalmente. Falo do teu namorado, vi-o estourar a fronte no chão duro após (oh! rudículo episódio) aquela ida numa praça de interior, estávamos tanto eu quanto ele bêbados, ébrios em alegria infantil. Vinhamos duma cidade vizinha e ali havíamos chegado pelas forças do acaso, na verdade, mais por força nossa mesmo creio eu. Seja como for que ali fomos parar, sei somente que o tolo quase matou-se e que eu tive a chance plena de impedi-lo, não o quis fazer, não me senti no direito de fazê-lo, de interferir na vontada alheia, na potência acumulada que explodia em ação. E quer saber, bom amigo? Não me arrependo. Se não fosse por tal estrondo de vossa cachola com o solo, aqueles dentes esparramos pelo chão, a poça de sangue por sob seu corpo, os paramédicos, seu rosto deformado, eu nunca a teria conhecido, aquela musa que conjurou-se ante vossa desespero e choros naquela hospital.
Vi-a em lugar único, incomum, sem nomes por hora, só espera tão preciosa graça, e ali mesmo apaixonei-me e disse a mim mesmo que a teria um dia. Aproveitei-me sim do relacionamento distorcido que ela vinha levando, percebi uma ferida nela e ali ataquei-a, em poucas semanas, ela cedeu apesar da paixão que a segurava. O primeiro contato mais íntimo, não o lembro; no entanto, algo em mim imprimiu-se, e até hoje sinto aquele fervor, não sexual, não, seria vil em demasia, o que ficou foi um conforto intimo que me faz falta apesar de me causar asco, que fora a palavra que usaste para descrever o que havíamos passado. Só de ódio me fiz todo e tudo terminou sem que nem mesmo pudéssemos consumar nossa paixão, não por falta de tempo ou vontade, mas sim por ma força estranha que nos segurava não sei por quê, tanto eu quanto tu, ambos paralisados por um pudor morto que morto ficou até o fim esperado, o fim que veio com a vinda d’outro do hospital.
Por semanas vaguei em mim mesmo e pelas ruas também, pelos albergues conhecendo os esquecidos da vida ou os que se fizeram esquecidos a si mesmos. Conheci sujeitos sem vida, só em morte consumidos, tristes figuras de esperanças corroídos e completados, poetas loucas e aniquilados, trabalhadores derrotados, homens tantos por paixões obliterados. Não era, pois, o albergue só habitado por pessoas loucas, ali via, sim, gente sã, tão sã que de loucas eram taxadas e de mais nada gozavam, nem de carta de alforria, eram seres jogadas que aguardavam com alegria contida o prato de sopa de fim de noite, a chance de espalharem suas carcaças desgraçadas nas camas fedorentas. Quanto tempo estive ali nem sei dizer, mas estive e quase uni-me aquele mundo de moribundos infelizes.
Algo (o que seria?) comprimiu-me a razão, forçando-a a agir, a buscar um luta para vencer, a inércia haveria de ser rompida, e foi. Da vida em frangalhos outrora levantei-me renovado, do que sobrara busquei retalhos, torci o que pude, cosi também, e de retalhos refiz o que havia destruído, e não sei se fiz bem, ou melhor, não sabia se tinha feito bem, até que numa noite decide mergulhar no limbo que tanto prazer me dava. Ébrio e macilento, tais mulheres algumas em contos passados, deixe-me cair nas tavenas, e numa delas conhecia-a: Melaine era o nome. Incomum, primeiro fato de atração fora ele mesmo, simples assim, como se o progenitor dela - eleitor de tão belo chamariz - tivesse em mim pensado vinte e tantos anos antes. Digo só: fosse ela cem vezes menos bela, teria eu ainda conclamado-a para mim só por tão belo título. Contudo, nem só de nome se fazia, tinha formas e também personalidade, uma só que poucas vezes vi de perto: rabugenta, teimosa, até ignorante, mas era sincera, e se lhe faltava uma voz bela - tal qual daquela Ana, valkiria abandonada -, tinha em lugar discurso sagaz que em muito compensava a falta, vez mais de uma vi-me usando palavras viz ou retóricas questionáveis para contonar-lhes os discursos, e quando não podia mais, simplesmente a beijava em plenitude, da forma como havíamos nos conhecido, na disputa boba que fizemos com nossos dedos e pelo apoio numa parede excomungada.
A tensão entre nós nunca fora comum; a relação, explosiva sempre, despertava uma energia latente em ambos, como se há muito fosse por nós esperada a presença um do outro. Em golpes de dor e prazer nós pelejamos, ferimo-nos sem dó, buscamos a morte, o desespero, o gozo desesperado só para cairmos em lamentos serenados, vozes chorosas que se iam explicando, conclamando, implorando, prometendo… Abraços tantos de paixão, tesão e até amor puro, quem sabe? Frequências trêmulas que anseavam o pretérito, a gênese que nos havia unido em meio a centenas de tantos outros e outas que lá estavam na mesma noite e limbo em que eu e tu estávamos submergidos. Como posso ainda de tão viva lembrança ser tomado? Vejo-a ainda em sua essência toda feita, ali, observando-me, esperando minha investida sacrílica; suas mãos tomando aquela faixa e fazendo-me cego para sugar-me os gametas da vida, que nunca se fizeram plenos em seu útero apesar do anos em que inundamos nossos corpos com as pulsações até então perenes de nossos ensejos libidinosos.
Mas nem só de gozos vive os seres. Demos também nossos beijos amenos e simulamos sem pensar o Paraíso. Como era-me reconfortante aquele abraço meigo que me acolhia após semanas sem vê-la, meigo em verdade é redução, você logo via-me, logo corria em minha direção e saltava no meu pescoço, em pleno ar nossos corpos se encontravam e antes de qualquer afeto sexual, fazíamos os dois um só, ali, numa estada dura e sem vida na manhã de infinitos dias deixávamos os sentidos depurarem-se, a tensão esvair-se morna, a saudade ser sufocada pelo corpos colados, por várias vezes viajei tão somente para senti-la novamente em meus braços dessa forma, digo agora, ora! Viajei sem necessidade, cruel que sou, fi-la sentir saudades vãs para aproveitar-me de seus afagos, pois nunca antes havia experimentado tanta tristeza destruída.
E cruel que sou, humilhei-a com avanços vis, respostas abjetas e excessos imperdoáveis. Avançamos e recuamos até que ambos não mais tentavam, e desde então só se fez distância, e a distância que era abstrata se fez concreta e nunca mais nos encontamos. Numa outra vida, mais dessas tantas, não vi quem a lembrasse, todavia, encontrei belezas outras.
Lilian, outro nome singular, apesar de menos atrativo. Conhecia pelos meios mais débios e frios, no entando, de algum modo, lá estava ela na noite marcado, no local esperado. Senti-me retraído contigo, uma mulher mais experiente, apesar de poucos anos ter além. Lembro-me do sujeito que a acompanhava e da raiva dele ante os olhares que trocamos, regogizei-me ao frustá-lo quando você quis ficar nas proximidades da minha nova morada somente para encontrar-me. Assustei-me após com seus desejos até então desconhecidos, sua força de espírito que me fez abraçar minha palma com a sua face, marcando-a de vermelho não só aí. De algumas semanas desfrutamos duma intensidade inconsequente, em seu apartamento e no meu, os amplexos foram muitos e as conversas também, e você calava-me com seus beijos, exausto de minhas reminecensias sobre a vida e tudo o mais, eu tentava ainda falar, mas a sua língua me tolhia as palavras, e ali mesmo, consumávamos o que havia de ser, e nossos gemidos corriam os ares sem pudores, de todos os prazeres nos fazíamos íntimos; assim foi até que sem mais nos afastamos como se nossas almas simplesmente tivessem decidido, sem conscentimento algum, fazê-lo.
Amanda, como esquecê-la? Veio logo após. Lá estava ela, perdida em meio ao labirinto, eu fui socorrê-la, ali mesmo nos conhecemos. Quando a vi, com aqueles cabelos curtos e negros, estatura fina, delicadeza bela, ah! não pude conter-me, sem pensar fui falar-lhe seja lá o que for, e sem pensar travei contato após e pude finalmente tê-la ante mim, toda ela, sem vexames. De todas a mais sábia, ensinou-se mais que eu pude a ela, dos ingleses aos gregos pude vislumbrar todo o conhecimento que a implodia. Era bela aquela mente e dela fiz-me estuprador sem precendentes: lemos, ouvimos e até dançamos, no samba mergulhou-me esta mulher! E a ti não me dirijo, pois julgu-me ser inferior ao que aproveitar por tão breve tempo, talhado pelos infortunios do destino que tomaram dela a vida ampla, fazendo-a refém dos erros de outros. Quão doce fora aquele vinho que desgutamos, e mesmo uns simples pastéis de queijo naquela noite jamais repetida, e quão quente ela foi ao me alertar de seus repúdios únicos, e quão persistente em superá-los, se não nos fizemos em carne pura, fizemo-nos certamente únicos nos momentos em que nos abraçamos em frente ao mar esplendoroso que nos contemplou numa tarde só que eu sei que em seu espírito - e agora dirijo-me a ti - forte firmou-se.
E agora vivo eu novo sonho, o sonho negro que a mim conjurou-se sem saída, uma cabeleira noite que domou-me, um jeito meigo que cegou-me, umas palavras poucas que convenceram-me. Que posso eu dizer dos caminhos que se formam? Que eu fingir do que sinto e do que vem? Nada posso, só me cabe agora me regojizar com este ser caído não sei donde, aprender com ele, talvez guiado por seus anseios primaveris, algo dantes não sabia, algo emerso da inocência da pouca idade, cuspido do fundo da alma que pouco sabe. Não a amo, mas quero com ela sofrer, pois sofrer é o que me sustenta, porém não só dela quero viver, quero a inconstância perene, pois só com ela, eu posso sustentar os caminhos tantos que meu espírito almeja, espero que ela perceba e espero que ela negue a empreitada final para que eu possa vê-la, enfim, feliz, e para que possa eu gozar de tantas outras mulheres mais.

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