CEFALOFILIA


Depois de um fim de semana dedicado à leitura de textos que não lhe interessavam, ele pensou em como seria a noite, se ele deveria estuprá-la ou deixar-se estuprar por ela, se ele deveria abandonar o seu leito quente e cercado de baratas, a solidão adolescente manifesta em carnes de três décadas ou simplesmente padecer pensando em como as coisas poderiam ter sido, algo que muito lhe agradava, talvez até mais que viver a vida plena, às vezes, os pensamentos dele mergulham tão fundos, que somete eles satisfazem-no. Desse fenômeno, ele foi vítima esses dias.

Obrigado a enfrentar a burocracia estatal, muniu-se com três pedaços de papel manchados de tinta e dirigiu-se a um templo institucional, a clériga que atendeu ao seu chamado deslocava o ar em sua volta com delicadeza, as passadas amparadas pelos saltos pretos eram seguidas por coma lisa que ondulava em comunhão com os giros do corpo que ia e vinha em busca do protocolo sacro número 154822897-AHV. O todo nem comenta-se: pela branca, lisa, porém ferida pelo tempo, não de modo vulgar, mas sensual, envelhecida em dogmas de austeridade sexual e depravada.

Em segundos, imaginou-a aceitando o seu convite para beber alguma coisa no Escritório Bar depois de uma quebra-gelo básico e divertido, após algumas cervejas estariam ambos felizes com uma situação mal construída e iriam para sei lá onde roçar suas carnes mutuamente e banharem-se nas excrecências genitais um do outro, e enquanto imaginava essas coisas, ela ia e vinha, seguida pelos cabelos negros que ele tomaria com pujança enquanto atacava aquelas nádegas magras e branquelas com sua mãe direita aberta e pronta para marcar a nova vaca da lista.


- Ela 'inda não assinou.

- Ok. Tchau.

Foi embora dali sem nem começar o que tinha imaginado. Desceu as escadas imaginando ainda mais e seguiu até em casa com mais imaginação que vontade, e assim, de imagem em imagem, chegou, deitou e masturbou-se, já não mais pensando o que vinha imaginando, mas sim montando outros ecos que não de palavras e sim de sentidos enleados em numa figura mística de paixão e orgasmos nascidos das pernas da madona depravada dos sonhos eróticos de mil adolescentes. Desses ecos internos da mente, seu pênis vomitou seu fluído mal cheiroso.

Viu-se, finalmente, no começo dessas dúvidas e no fim deste dilema neo-shakesperiano: sair ou não sair. Fez valer a cachaça que comprara no mercado onde um tal de Macalister deu para defecar nas cinco noites interiores. Ele ali com a cachaça na sacola, e o Alemão lá, do outro lado do caixa já com os olhos brilhando pelo dinheiro.

- O filho da puta cagou aqui na frente da porta! Mas hoje a gente fica de tocaia...

- Já tentou uma ordem de restrição?

- Restrição aqui é o pau que ele vai levar hoje! Obrigado.

Deu-lhe o troco e voltou-se para o próximo cliente:

- Acredita que um filho da puta cagou aqui na frente da porta?

Tomou-a com água parada de três dias e um suco de sete, que amaldiçoou setenta e sete vezes por não ter matado o seu paladar sofrido e amaciado pela marca de seiscentos e sessenta e seis porres marcados. Joe Satriani surrava as notas em padrões circulares e ele continuava a beber porque pensava que não suportaria as pessoas com o seu sangue choroso da terra pisada pelo Deus dos miseráveis. Com um sorrido no rosto iniciou os trabalhos, com uma carranca, encerrou-os.

A festa era o padrão etílico universitário 69: grupos fechados de semi-ébrios olhando como zumbis sedentos para o horizonte de cabeças bambas riscadas com sorrisos frouxos minados pelas luzes de aparelhos celulares manipulados freneticamente por pessoas ansiosas pelo conforto que não se tem de imediato. E dessas últimas, as lições sobre a vida sempre são as melhoras: tal gatos vagabundos e domesticadores de humanos, elas nunca estão satisfeitas com o ambiente, sempre buscam o que está distante, por isso os celulares, e quando aqueles que há pouco estavam “conversando” pelo aparelho achegam-se, põem-se a “teclar” com os que até então ali estavam, mas que por uma razão saíram, enquanto ignoram os que não estavam, mas que agora estão.

Tudo isso parecia-lhe não fazer muito sentido, porém sentido não é algo que se deve procurar em ações humanas corriqueiras, interessa-lhes, aos humanos, somente o ato, a aparência e a energia das expressões. Munido delas, ele abordou o grupo aleatório 06: um gay e um outro com talento. Estavam perto de certa garota de feições asiáticas. Ele não poderia abordá-la diretamente sem uma base de recuo, pois ela estava com outras pessoas e ele iria perder o seu valor social caso a sua primeira investida não surtisse efeito e ele não tivesse um grupo para defendê-lo.

- Amigos, ‘tô vendo uma asiática daqui e eu não posso resistir. Até breve!

Iniciou uma conversa mole padrão e leve. Algo sobre a música do lugar e o seu falso interesse em comprar bebidas com um cartão de crédito negativado. Perto dela, claro, havia outros sujeitos: um gordo barbudo que fingia que o invasor não existia e outros dois sujeitos muito engajados em fechar o seu “lado do círculo”. Ele sabia bem o que fazer com esses tipos: conversar com todos como se fossem os seus melhores amigos. Muitos sujeitos falham miseravelmente quando veem o “alvo” deles sendo abordado por outros adversários, alguns ficam até irritados visivelmente quando deveriam agir como se tivessem todo o controle da situação, o que acaba no fim dando a quem age assim o real controle, mesmo que nunca tenha tido controle algum.

Quando ele conseguiu beijá-la, depois de uma conversa que parece ter sido assim:

- E agora, eu não sei o que fazer...

- Como assim? – Perguntou-lhe ela.

- Eu nunca beijei uma asiática, e agora tenho você bem aqui, só que eu não posso beijar você.

- Por quê?

- Porque você ‘tá totalmente bêbada!

- Eu não ‘tô bêbada totalmente, só metade.

- Então seria meio-estupro se eu ficasse com você.

- Não seria não...

E olhou finalmente para os lábios dele: a velha linguagem corporal que grita doída para que o outro parta para ação. O beijo em si, e isso é certo, foi tão ruim quanto o diálogo anterior. A mesma boçalidade inflamada e babada de cérebros derretidos na tolice da noite embriagante. Simplesmente era impossível encaixar os lábios com o dela ou mesmo tocar-lhe a língua vibrante e vívida que se movia ébria feito serpente com a cabeça estourada. Os esforços dele foram hercúleos e venusianos, com carinho falava-lhe:

- Assim não, tem que ser com delicadeza...

- Não... Errado! É assim.

- Ai! Meus dentes!

- Cuidado! Assim fica complicado...

- É afobada assim no sexo também!?

Esse último comentário arrancou um sorriso safado do rosto oriental.

- Ascendentes tailandeses?

- Japoneses...

- Ok.

E atacou-o com a bocarra escancarada, mordeu o queixo e babou a testa dele, deu-lhe o pescoço, sentou-se em seu colo e finalmente queixou-se da êmese vindoura com o rosto colado no ombro esquerdo do homem.

- Não vai...

E foi. Marcou o corpo e o orgulho dele com o conteúdo do seu estômago. A noite era fria e o vômito dela quente, a sensação inicial da massa estomacal escorrendo foi na verdade bastante prazerosa, removeu toda a tremedeira do corpo despreparado para o clima daquela noite. Ato contínuo, tomou-lhe a cabeça bamba com as mãos, os olhos semicerrados transpareciam uma brancura mórbida, pelos lábios ainda escorria o conteúdo rejeitado, da garganta fugiu um grunhido moribundo interrompido esporadicamente por um borbulhar agoniante de laringe asfixiada. Perguntou-lhe se estava bem, o que por si já era uma pergunta idiota, depois certificou-se que não se lembrava de nada, nem o próprio nome ela soube dizer-lhe, contudo era capaz de andar, apesar do estado cadavérico.

Carregou-a até em casa, na porta do prédio luxuoso, perguntou-lhe:

- Consegue subir as escadas?

- Acho que não...

Subiu com ela, ou melhor, carregou-a. Do bolso da calça dela, ele conseguiu retirar a chave do apartamento, infantilmente presa a um penduricalho da Hello Kitty. Tomou-a nos braços e num ritual distorcido de núpcias, jogou-a sobre a cama. Ainda estava semiconsciente... A forma como ela havia caído, com a perna direita sobre a esquerda, acentuava-lhe os quadris, a camiseta um pouco rota estava erguida até a altura dos seios, com certo pavor de ser pego no ato, aproximou-se e levantou um pouco mais, até poder ver o começo dos seios com menos de duas décadas de existência plena. Com temor ainda maior, porém impelido por uma coragem mórbida de irmão ladrão e homicida, abriu-lhe a braguilha da calça e espiou a calcinha: branca com rendinhas laterais e um coração no monte de vênus.

- Oi! Lembra de mim!

- Hã?

Percebeu um espelho a sua frente: havia alguém refletido nele! E estava sorrindo, como se tivesse ganhado algo mórbido e cobiçado, proibido a pessoas comuns, mas permitido àqueles que desejam com fervor o que lhes dizem ser impossível alcançar, um sorriso que deixava livre desejos internos há muito soterrados por fantasias de conduta instigadas pelos conceitos elevados do pecado. Com vagar, o sorriso desfez-se por inteiro e junto com ele o pavor que lhe assombrou os ossos pelo breve período em que a imagem observou-o. Consentiu-se o direito e dele gozou.

Puxou as calças da virgem vomitada, teve certo trabalho nessa tarefa, sempre odiou essas coisas justas que as mulheres esforçam-se para colar aos seus corpos, contudo não se arrependeu da força aplicada: as pernas não tinham qualquer marca, lisas e bem formadas, muito parecidas com as pernas das atrizes dos filmes pornôs japoneses que ele tanto gostava de assistir. Apertou a bunda dela com força, com a mão livre masturbou-se, quanto mais ele aproxima-se do coito, mais ele levava o seu pênis em direção àquele rosto ainda tomado de suco gástrico.

Jorrou sua vida nela sem se importar, seu toque quente fê-la mover-se estranhamente, seus olhos abriram-se e ela recobrou a consciência instantemente, sem que ele percebesse, o seu pênis foi parar dentro da boca dela, ou a boca dela engoliu-o sem o seu consentimento. Ao tocá-la no véu palatino com a sua glande, sentiu imenso prazer, quase ejaculando outra vez, contudo, logo viu-se vítima da sua vítima: ela mordeu-o com toda a força que tinha enquanto blasfemava contra ele com a voz abafada pela massa carnosa que lhe preenchia a cavidade bucal.

Atingiu a cabeça dela com socos, depois com cotoveladas, ao mesmo tempo buscava não puxar o seu pênis para fora e sim empurrá-lo cada vez mais fundo para ferir as entranhas dela se possível! Ao seu esforço, respondia-lhe ela com mais pressão. O sangue era ejaculado por todas as partes do órgão atacado, vermelha era a cabeça de ambos. Todavia, ele abundava vida com mais vigor, tanto que ela começou a afogar-se com o sangue que escapava das regiões cavernosas do agressor agredido, e junto com ele deveria estar indo também algum batalhão remanescente de sêmen.

Quando ela o largara, ele caiu de joelhos e levou instintivamente as mãos à vítima de toda aquela fúria, porém logo as recuou ante a dor tão copiosa quanto o vermelho pintado no chão, na parte inferior do seu corpo e na superior do dela. Com a visão nublada de raiva, viu-a chorando, limpando-se e blasfemando enquanto cambaleava tateando o chão, certamente buscando alguma arma para atacá-lo. Ignorando a perda de sangue e o orgulho duplamente ferido, ele anelou um abajur de cima dum criado-mudo e atacou-a impetuosamente com seguidas pancadas na cabeça, no mesmo local que ele a tinha golpeado antes com socos e cotoveladas.

No começo, a resistência foi grande: ela defende-se com os braços languidos, que logo foram vencidos pelo cansaço e pela violência dos ataques, acertou a parte superior do crânio e continuou até que a dureza deu espaço a uma maciez gostosa de atacar, quando parou, parte da massa encefálica escapou para a região com menor pressão, tocou-a: era quente e um pouco mais rija do que ele imaginava, porém com certa plasticidade que lhe lembrou dos caminhos vaginianos.

Mesmo com o pênis ferido, sentiu nova excitação, não a causada pelo furor do momento, e sim uma de paixão, que gela o peito a princípio para depois esquentar o corpo com a vontade da ação, que lhe fugira com aquela clériga e tantas outras situações formadas das mais puras imagens. A cada pulso do seu coração inocente, que não poderia jamais julgar se o sangue que ele mandava aos membros seguiriam seus verdadeiros propósitos, a dor e o prazer confluíam em sentimento um, estranho e sublime.

O pênis penetrou o buraco feito no crânio e furou o cérebro contundido. A asiática debatia-se em espasmos desesperados que simulavam as contrações vaginais, o cefalofílico sentia a sua uretra sendo preenchida pela inteligência da garota em choque. O calor, a pressão interna, as tremedeiras desesperadas daquele corpo agoniante! Ele agarrou-lhe os cabelos e pressionou a cabeça ainda vibrante contra a carne fálica e hemorrágica, a força do enlaço dos dedos com os fios negros e avermelhados separou do couro-cabeludo mechas e mais mechas de cabelos que foram sendo substituídas por outras agarradas com cada vez mais força até que junto com o cessar dos espasmos do corpo agoniante, cessou-se também o furor do cefalofílico.

Ele prostrou-se exausto e com o pênis ainda penetrado por sobre sua amante e com ela pereceu num sonho harmonioso de morte, prazer, sangue, cabelos, miolos e sêmen.

Nenhum comentário:

Postar um comentário