Seria bom chegar em casa depois de um dia difícil no trabalho e não ter de ouvir a voz insuportável da minha mulher. Eu deveria ter deixado ela no altar e ter fugido com aquela prostituta de beira de estrada que os meus amigos conseguiram pra minha despedida de solteiro, mas não, eu queria conservar minha palavra, manter minha honra.
Atualmente eu me pergunto: por que eu li toda aquela besteira sobre samurais? Acho que foi essa baboseira que fez com que eu ficasse com tanto receio de me mandar; hoje eu poderia estar em alguma praia da Bahia tomando água-de-coco, ou talvez em algum cemitério pra indigentes, afinal de contas, nunca se sabe quando uma prostituta está preste a te levar pra uma armadilha. Talvez isso tenha sido paranóia minha, sei lá, mas agora não importa mais.
Droga! Eu tenho um problema muito grave aqui, tu não percebe?
Eu trabalho igual um condenado naquela obra, tudo isso pra ganhar uma miséria e quando chego em casa tenho que aturar a gorda da minha mulher. É mesmo, eu não tinha dito que ela era gorda, pois bem, agora digo.
O drástico aumento do manequim de minha adorada esposa começou de maneira inusitada, acho que foi no período em que trabalhei como caminhoneiro, onde foi não tem importância, o fato é que a cada viagem minha mulher crescia talvez isso tenha sido um efeito colateral causado pelo consumo exacerbado de frangos, alimento este que a minha referida esposa consumia e ainda consome com grande prazer e avidez.
Talvez os frangos satisfizessem minha mulher mais do que eu imaginava, nem sexo ela queria mais, também pudera, eu também já não me interessava, conseguia na beira da estrada coisa muito melhor que ela.
Hoje, cá estou sentado na cadeira da mesa da cozinha, minha avantajada esposa jaz lavando pratos na pia, mas não pense que essa é a única habilidade que a maldita domina, ela pode pintar os cabelos, lavar a janela, cortar a grama e o mais importante: limpar minhas cuecas e ainda me encher o saco quando eu chego do trabalho.
Um dia desse eu pensei em matá-la, mas, depois refleti e vi que essa era uma péssima ideia, quem ia fazer minha comida? Após conceber um pensamento tão baixo, percebi que estava sendo um péssimo marido, tinha que melhorar. Comprei um buquê de rosas pra minha querida, pedi pra sair do trabalho mais cedo com o objetivo de fazer uma surpresa.
Chegando ao meu barraco encontro minha querida esposa sobre o vendedor de frangos, seu corpanzil flácido balançando como uma gelatina posta em cima de uma britadeira, cena dos infernos, o cheiro de suor e camisinha impregnando o quarto, maldição! Os frangos realmente a satisfazem mais do que eu e no fim quem fez a surpresa foi ela. Ao menos os dois amantes usaram proteção
Exatos oitenta e sete “vagabunda”, quarenta e oito “filha da puta”, (coitada da mãe, o que a velha tem a ver com o ocorrido?) e dois socos no famigerado vendedor de frangos, resolvo perdoar minha amada. Tolo coração dos homens! Qualquer um a teria expulsado de casa, mas quem faria os trabalhos domésticos? Tolo medo das filhas que temem seus pais!
Seu João, dele nada disse, mas agora digo. Homem de criação severa. Cresceu na roça tendo conhecido os molhados, macios e deliciosos caminhos do órgão reprodutor feminino ainda muito jovem quando se excitara ao observar uma vaca pela retaguarda.
Mas se teve algo que o seu João aprendera a prezar, isso foi à honra, sem dúvida alguma, filha dele só casava virgem e foi isso o que aconteceu, pelo menos é nisso que o homem acredita... A questão é que a relação extraconjugal mantida entre minha mulher e o vendedor de frangos não podia chegar aos ouvidos do seu João, era bem capaz dele matar a filha por tal comportamento leviano. Então, chegamos num acordo, cada um cuidava da própria vida.
Assim foi por muito tempo, até que perdi o emprego e com ele todo o caráter e dignidade que me restavam. Minha querida esposa esqueceu o trato e passou a me encher o saco outra vez. Eu chegava do bar e lá estava ela me esperando como um cão de guarda, pronta pra me sondar a respeito de tudo que eu havia feito em mais um dia inútil da minha vida.
Dia e noite, bebida e cigarros, prostitutas e sei lá o que. Eu queria é vadiar, mas, minha mulher não parava de falar (que versinho bonitinho, diria minha professora de português):
- Vai cortar a grama! Vai pintar o portão! Vai arrumar um emprego! Vagabundo! E tantas outras ladainhas que fico enjoado só de pensar.
Então veio a luz! A Esperança! Deus existia! Tudo estava a salvo! Finalmente alcançaria a paz eterna, o Nirvana, o Paraíso e todos os outros lugares que as inúmeras crenças idiotas que estão espalhadas pelo mundo acreditam estar reservados a todos que viverem uma vida de privações e respeito a uma entidade superior antropomórfica onisciente, onipresente, onipotente, onicarente, onimendense e sei lá mais o que...
O ponto é que naquele derradeiro momento passava na televisão a propagando do cereal Krides! Krides! O primeiro pensamento que veio à minha mente foi: por que Krides! Krides! e não Crides! Crides!? Tudo bem, o som e a pronúncia são os mesmos, mas por que “K” ao invés de “C”?
Primeiro pensamento se foi apenas pra que em seguida surgisse o segundo, a música era muito legal (desculpem pela minha análise inteligentemente desenvolvida). Quem a teria produzido? Era muito boa pros padrões daquele comercial, ela não saiu mais da minha cabeça.
Krides Krides!
Você come e Krides!
Krides é legal e todo mundo come!
Krides! Krides!
Que canção maravilhosa. Imagino que Beethoven e Mozart ficariam abismados se tivessem à chance de ouvir algo tão perfeito. Cada vocábulo, tão bem escolhida, sua... Simplesmente ainda não foram inventadas as palavras adequadas para exaltar algo tão perfeito... Espera um pouco! Qual dos dois era surdo, Beethoven ou Mozart? Porque nesse caso um deles estaria privado de contemplar a expressão máxima da arte: a canção Krides! Krides! ... Tinha um surdo, não?
Não tive dúvidas, no dia seguinte juntei todas as minhas parvas economias e comprei cem caixas do cereal Krides! Krides! Todos os meus problemas haviam acabado; minha vida tomou novo rumo.
Depois de mais um dia de trabalho ao meu fígado, cheguei em casa e minha mulher começou a rachada de ofensas, peguei a faca que estava em cima da mesa, olhei fundo nos olhos da baleia, senti o medo no olhar da maldita, mas ela não era meu alvo. Meu objetivo era a caixa de leite que estava em cima da pia. Depois de abri-la, fui à garagem (o único lugar da casa capaz de estocar minha reserva de cereais) e peguei uma das caixas, nela desenhada a simpática mascote gambá de nome Krides! Krides!
Na cozinha, preparei o cereal, minha flácida mulher me questionou a respeito do meu estoque de cereais, disse sem rodeios que havia gastado tudo que tinha pra comprar os pseudogrãos de milho, no mesmo instante a saraivada de saliva decorrente dos berros de protesto da minha querida esposa me atingiram a face. Não tive dúvidas... Peguei a colher e comecei a comer meu delicioso cereal.
Enquanto aqueles afáveis flocos de milho industrializados desmanchavam-se na minha boca, nada me atingia, as palavras ásperas do meu grande amor pareciam não surtir efeito, não ouvia nada, apenas o delicioso, prazeroso e reconfortante som do cereal estalando entre meus dentes, certamente a música que Deus ouve no Paraíso.
O único som era: Krides! Krides!
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