MASSAGEM


Hoje nem ao menos nos falamos. Ela me considera um doído. Todos ao meu redor me consideram um doído: família; amigos; vizinhos; qualquer um. Aonde quer que eu vá o olhar inquisidor das pessoas me leva à estaca e me queima, sou como um feiticeiro nos tempos modernos: sou temido, mas não respeitado. Conspiram contra mim. Hoje até ela conspira, apesar de ter, em tempos passados, se deliciado com o toque hábil das minhas mãos em seu corpo.

Éramos adoslecentes. Nosso pai era militar, a mãe costureira. Ele bebia, ela sofria. Nós tentávamos esquecer os impropérios domésticos nos isolando do mundo em nosso mundinho próprio: as tardes de terça. O único dia de paz que tinhamos. Nossa velha mãe dopava-se com calmantes enquanto nosso velho dopava-se com ilusões de bar e traseiros de putas.

Era um tipo de acordo informal que ambos tinham. Era metódico. Era mediocre: os coturnos rasgando o chão; era o primeiro som. A maceneta sendo virada, a porta sendo aberda; era o segundo; então o tempo parava: ambos olhavam-se eternamente, um querendo falar, outro querendo ouvir. Nada. O ápice: um quepe militar largado num canto, uma porta batida, uns tantos passos fortes buscando o horizonte e uma velha jogando para dentro de sí a mais nova fuga famacêutica da moda. Silêncio. Então vinha o terceiro som: o choro da nossa mãe. Não a consolavámos, ela não aceitava. Depois de um ou dois minutos de lamentação ía para o próprio quarto e lá ficava a espera do marido, ansiando que em algum momento da noite ele se lembrasse dela.

Eu e minha irmã não nos abalavámos mais com a cena: iamos para o quarto dela e lá ficavámos a tarde inteira a conversar sobre coisas sem importância, a jogar cartas, a ler e a fazer qualquer coisa que assassinasse sem misericórdia o nosso tempo ocioso. As tardes iam assim: simples, graciosas, sem pretensões... puras. Brincavámos como crianças, numa dessas graças cheguei a machucá-la, não sei quando foi:

- Ai! Ai! Ai! Machucou!

- Tudo bem, tudo bem, deixa comigo! Eu faço uma massagem!

- Massagem? Você sabe fazer isso por acaso?

- Claro que sim! Sou o melhor.

Foi uma coisinha de nada, mas ela agia como se estivesse à beira da morte! O caso nem era para massagem, mas não sei por que, tive vontade de fazer, acho que queria fazê-la esquecer da dor, não sei.

Comecei de leve: em movimentos suaves e repetitivos meus dedos singraram as costas macias dela; iam e vinham graciosamente, por onde passavam a dor tornava-se prazer. Então minha irmã deixou escapar um gemidinho. O som foi quase nada, mas me causou uma sensação estranha, uma coisa que eu nunca havia sentido por ela antes. Busquei arrancar outra reação sonora, consegui. Mais uma vez: mais uma vitória. Passou a ronronar como uma gata. Minhas mãos ganharam audácia. As costas já não eram mais o bastante. Lentamente busquei os seios, toquei-os lateralmente com os dedos. Ela fechou os olhos, movia a cabeça languidamente de um lado ao outro.

- O sutiã... Hã... Ele está atrapalhando...

Não respondeu. Tirei a peça intíma. Tomei os seios dela em minhas mãos. Massagiei-os lentamente. Ronronava; agora mais alto. Aquele som me dominou, vi-me obrigado a abandonar um dos mamilos para buscar meu pênis: precisava sentir a pele dela em contato com o meu pau. Surpreendi-me ao meu tocar: minha excitação era tanta que certa quantitade de sêmen já havia escapado das minhas entranhas em busca do encesto. Limpei minha mão melada de vida nas costas da consaguinea, senti muito prazer com isso, ela também.

Continuamos naquele estranho ritual de excitação por quase uma hora. Não olhamos uma para o outro em nenhum momento, nem nos beijamos, nem ela me tocou. Somente minhas mãos eram livres, somente com minhas mãos toquei-a. Repentinamente ela se levantou. Ficou de costas para mim, o tronco nu. Ficamos nessa situação por mais de um minuto. Finalmente me retirei.

Pensei, não comentei com ninguém. Quando voltamos a nos encontrar, no jantar, agimos como se nada houvesse acontecido. Como nossos pais, passamos a ter um acordo, um acordo informal; era metódico: todas as tardes de terça o ritual se repetia. No começo as coisas eram muito parecidas com a primeira vez: conversávamos e brincavámos, então os sentimentos começavam a apontar para um dado caminho, um canto, um beco estranho e chamativo, um parque proibido e entulhado de brinquedos cativantes e alegres. De mãos dadas iamos pela estrada convidadiva que se formava em nossa frente; mas depois as conversas não eram mais necessárias, nem as brincadeiras, o beco tornou-se claro, o parque conhecido; até que as tardes de terça reduziram-se ao encontro proibido de dois amantes consaguineos que censuravam a conjunção de sí mesmos. Por quê? Era medíocre.

As palavras antes tão ambundantes entre mim e minha irmã minguaram a quase nada até tornarem-se completamente inertes. Sem hostilidades, sem confrontação de ideias, sem tentativa de entendimento mútuo, NADA mais aconteceu entre nós. Antes tivesse nossa relação sido rompida por um raio de discórdia trovejante e não por uma brisa furtiva e ladra que levou mascarada no prazer os nossos sentimentos antes tão puros. 

Hoje sou militar, ela costureira. Eu bebo, ela sofre. Nossos pais estão mortos. Acho que nós também.

HOSPÍCIO RIO MAINA. CRICIÚMA, SC. 

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