- Mamãe.
- O quê?
- Papai Noel existe?
Estavam todos em volta de um pinheiro artificial coberto por plástico
colorido e luzes espalhafatosas. Tinha ali também um presépio, era mais uma
família-cristã-brasileira-padrão. Um garotinho com olhar ladino mordia um
pirulito de caramelo, ao invés de lamber. Já estava todo melado.
- Todas as crianças ganham presentes?
- Não, meu filho, as malvadas não ganham.
- E quem não é cristão, ganha?
- Como?
- É... Eu li que o Papai Noel é na verdade um santo católico chamado
São Nicolau, e que ele nem usa vermelho, e sim verde, e que essa coisa de
vermelho é por causa de um desenho de um homem chamado Nast, e que a Coca-Cola
foi a responsável por espalhar pelo mundo a imagem do Papai Noel vermelho.
- E que o Papa Leão XIII escreveu uma encíclica dizendo isto: “é
totalmente ilícito, defender ou conceder incondicionalmente a liberdade de
pensamento, expressão ou culto, como se esta fosse direito natural do
homem”. Isso quer dizer que ninguém pode
seguir outra religião, não é, mamãe?
- Hum... Não é bem assim filho... Você não pode acreditar em tudo o
que o Papa diz.
- Mas o Papa não é autoridade máxima da igreja? Foi isso que me
ensinaram na catequese...
- Sim, ele é, mas as pessoas são livres para seguir outra religião.
- Tá... Mas a encíclica não diz isso. E o Papai Noel é na verdade São
Nicolau, então é católico, se o Papa disse que a liberdade de culta não é
direito do homem e ele tem uma religião, então afirma também que o catolicismo
é certo e o resto errado, se o resto é errado e Papai Noel é católico, então
quem não é católico não vai ganhar presente! Isso é injusto, mamãe!
- Onde você anda vendo essas coisas? “Encíclica? O que é isso?" Pensou
consigo a perturbada mamãe.
- Internet. A profe disse que a gente pode encontrar qualquer coisa
lá!
- Tudo bem, filhinho, vou te ensinar uma coisa importante sobre o
mundo.
A criancinha se achegou com a mãe, os olhos como bocas prestes a
engolir a interlocutora, os ouvidos agudos a espera da informação.
- O que acontece é o seguinte. O Papa é um homem bom, e o Papai Noel
também. Mas tem gente ruim no mundo e essas pessoas ruins sempre querem
desacreditar as pessoas boas. Tudo isso que você leu é coisa feita por pessoas
ruins que não vão ganhar presente esse ano! Hoje o Papai Noel vem aqui te ver e
eu quero que você seja um menininho bonzinho com ele. Faça tudo o que ele mandar,
certo, meu bem?
- Mas, mamãe...
- Sem mais! E pare de ler essas coisas ruins, se não o Papai Noel vai acabar
te dando um pedaço de carvão por ser malcriado!
Logo saiu e foi ter com os convivas. Um tanto transtornada.
A criança ficou ali matutando tudo que tinha ouvido e lido, uma parte
da cabeça pendia para a mãe, a outra para a leitura. Tudo se chocou e explodiu
e correu de um ao lado ao outro dentro daquela cachola flamejante de criança.
Quando ia chegar à conclusão, os pensamentos dissiparam-se. Chegava um gordo
vestido de vermelho e com uma barba artificial. Os adultos tocavam na barriga
do velho enquanto diziam coisas infantis do tipo: “cadê o meu presente?”, “oi,
Papai Noel, fui um mau menino esse ano”. De criança em criança, ele foi
avançando em direção ao nosso amigo.
- Ho! Ho! Ho! Olá, garotinho! Todo sujo de caramelo, deixa eu te
limpar... Foi um bom menino?
- Eu sei que é você, tio. E
Papai Noel nem existe!
Mamãe veio como um raio. Tomou o braço do pequeno. Sorriso torto para
a parentada, rosto de demônio para o garoto.
- O que nós conversamos, seja bonzinho! Obedeça ao Papai Noel!
- Sim, Papai Noel, fui um garoto bonzinho...
- Ho! Ho! Ho! Que gracinha.
Todos riram, segundos depois estavam já entretidos com suas bebidas e
obrigações sociais. Nem mais se lembravam do falso Noel ou das crianças. Com
sorrisos forçados reiniciaram seus discursos mentirosos de fim de ano e natal.
Vou fazer isso e aquilo. Esse ano será melhor. Felicidades e etc. Agora era
Noel e o garoto.
- Você é uma gracinha, menino.
Apertou as bochechas do coitado.
- Tenho um presente especial pra você...
Pegou na mão do garoto e o levou para uma parte isolada da casa.
Sentou-se com o garoto no colo.
- Vou te mostrar uma coisa, mas não pode falar pra ninguém! Sua mãe
disse pra me obedecer, não? Pois então obedeça. O que quero te mostrar é uma
mágica.
- Isso não existe e você não é Papai Noel!
- Ah! Dois erros, garotinho. Mágica existe e eu sou Papai Noel. Na
verdade há vários Papais Noel. Nós saímos disfarçados de falsos Papais Noel
pelo mundo só pra não chamar a atenção das pessoas ruins. Mas a gente diz isso
só para crianças especiais! Nem seus pais sabem disso.
- Não acredito.
- Eu provo. Você sabia que um Papai Noel faz mágica?
- Não...
A mente infantil pega em seu ponto mais frágil: a fantasia. O velho
coloca a criança no chão, tranca a porta e tira o cinto. Fica com o pênis
flácido na mão. A coisa coberta de caramelo. A criança cai para trás,
assustada.
- Não se assuste, não se assuste. Esse é o pirulito do Papai Noel. Ele
cresce. Quer tentar? Essa é minha mágica.
Tímida a criança se aproxima. Toca com os dedinhos inocentes aquele
apêndice de carne. A coisa dá um pulo repentino. Ambos riem. O Papai ordena com
carinho: “Vai, continua, tá crescendo, viu? Mágica.” O sorriso puro e o impuro
em uníssono. A comunhão natalidade em seu ápice. O inocente arrisca uma
lambida.
- Legal, tem gosto de caramelo!
- Eu sabia que você ia gostar. Agora chupa igual pirulito... Assim...
Isso... Isso... Continua que... Ho! Ho! Ho! Assim mesmo, continua assim que tem
um presente no final...
É, tem mesmo. Mas não o que o Noel imagina.
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