BELO PILAR - FIM


- Homem! Homem!

O bêbado não pareceu ouvir. As belas cortesãs do Cabaré 1001 Sonhos de Prazer já haviam tirado dele tudo que podiam com a bebida e outras delicias. O sujeito era um zumbi, um zumbi etílico.

- Homem – virou a cabeça, um tanto morto, mas vivo pra entender – Compro teus sapatos!

- Vá...

- Compro teus sapatos, diga duma vez o preço.

Estava agarrado com dois belos exemplares. Ali se encontrava de tudo. Desde homens que ao mesmo tempo eram mulheres até mulheres que ao mesmo tempo eram homens. Mais ao fundo algumas flores virgens que ainda nem tinham sentindo as regras tingir-lhes as pernas de rubro. 

- Quero 30!

- Diabos! Só tenho 20!

- Então faço por 10!

- Acordo fechado, meu bom bêbado!

E então entrou o reverendo suplicante às forças temporais até o último momento, e o nosso bom balofo, copioso em suor, esfregando as fuças com um lenço duvidoso em gosto e usos pretéritos. Tudo em tempo de verem o bêbado tirando os sapatos e saindo faceiro com uma nota de dez entre os dedos.

- Como pode entregar-se à bebida desse modo, trágico vício!

- De veras – Concordou o pançudo.

Lá de cima, do ponto áureo de toda aquela eterna orgia, jazia esparramada, numa confortável cama modelo King Size, Dona Lascívia, a lendária proprietária. Na mão esquerda segurava elegantemente uma piteira com um cigarro francês, na direito uma taça de vinho tinto italiano. Enfiada num vestido vermelho-sangue guarnecido de motivos de renda estilo nouveau, ela observava através dum complexo jogo de espelhos todo o movimento do andar térreo. Nada fugia aos seus olhos ladinos e experientes. Há muito havia dominado a arte de surrupiar dos desejos o dinheiro mais que necessário para viver. Ter fugido dos testículos de um turco para cair no útero duma judia fora o maior empreendimento da sua vida.

- Oh! O padre e o gordo! Chama logo a Odalisca do Sétimo Paraíso e faz com que ela use de seus trejeitos hipnóticos para tirar daquele balofo toda a riqueza que lhe resta. Oh! Como os homens são escravos de seus falos. Hahahahaha!

Ordenou à menininha que lhe servia como acompanhante depois das sete horas da noite. Sem demora, pôs-se a cumprir a missão.

- Como assim Dona Lascívia não pode me atender? Preciso ter com ela imediatamente, assunto de primeira necessidade. Nem a escolha dum novo Papa é mais importante!

Ia dizendo o obeso à primeira coelhinha que teve o prazer de colar os olhos. No outro extremo do salão já se ia o reverendo engraçando-se com uma daquelas boas rameiras.

- Ora, homem! Primeiro os problemas, depois os prazeres!

- Por Deus, não pude resistir a tão meigo sorriso – o reverendo tomou delicadamente a mandíbula da menina sentada displicentemente sobre seu colo, ela sorriu inocentemente, como se nada da vida soubesse – Linda! Linda! Que Deus te abençoe.

- Homem de Deus *

O período assassinado em começo de vida não se importou com o sacrifício, pois o que vinha descendo as escadas, majestosamente esculpida pela natureza, era o motivo dos recorrentes pecados do revendo junto ao dízimo bondosamente ofertado pelos fiéis e maldosamente exigido pelo nosso bom pilar daquela pequena sociedade isolada. Cessou-se todo o ruído, todo o gemido e demais prazeres. As bebidas vieram abaixo junto com os cigarros que fugiam de bocas caídas e tomadas de saliva desejosa.  Era a Odalisca do Sétimo Paraíso

Difícil seria contabilizar quantos litros de sangue tomaram os corpos cavernosos dos presentes, tamanho o fascínio que aquele ser despertava. Somente dois homens irrigavam outras partes do corpo com seu sangue naquele momento. Um o esguichava pelo buraco aberto na perna pela faca dum bêbado descalço, este fazia uso do mesmo líquido para forçar os músculos à violência.

- FILHO DA PUTA! ENGANASTE-ME! 20 VALE MAIS QUE 10! ARRANCO-TE AS TRIPAS E AS USO PARA ENFORCAR A TI E A TUA FAMÍLIA, PUTO!

Gritos agudos tomaram o ambiente. Quem tinha faca, armou-se, quem não tinha, serviu-se de cadeiras e mesas, quem não podia com o peso, usava garrafas, quem não podia nem isso, nem aquilo, fez uso das pernas para fugir às estocadas e cortes e pancadas e bofetadas e chutes e socos saídos da confusão de ataques aleatórios.

O gordo pôs-se em disparada em direção à diva que voltava, agora não tão elegantemente, para a mesma região do céu de que viera.

- Por favor! Tenho o dinheiro!

- Seu balofo desgraçado e depravado! Um homem ‘tá morrendo ali embaixo e você só pensa em sexo!

Mal teve tempo de se exasperar: uma caneca de cerveja traçou a parábola encontrando seu fim bem na cachola do pançudo. O padre enquanto isso rezava para todos os santos debaixo de uma mesa, mas nunca sem tirar o olho dos traseiros roliços das coelhinhas que corriam desesperadas em todas as direções do bordel transformado em campo de batalha por seres tomados de testosterona e álcool.

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No outro dia no hospital...

- Parece que fostes ao templo errado na noite passado...

O recém-desperto nem teve tempo de entender, mesmo antes de proferir a palavra de dúvida um pedaço de papel já caia sobre as gorduras espalhadas na superfície da cama. Tomou a folha em mãos. Intimação policial:

“Vossa Senhoria está sendo intimida a comparecer à Delegacia para prestar esclarecimentos, na qualidade de testemunha ocular, sobre o caso de homicídio ocorrido no dia ... no Cabaré 1001 Sonhos de Prazer.”

- O que ensinavam no passado, pai?

Nos dias que se seguiram a igreja jamais esteve tão lotada aos domingos, a caixa do dizimo tão cheia, e o reverendo tão feliz.  Agora poderia visitar o Paraíso sempre que quisesse, pois ele estaria lá,sempre de braços abertos, a postos para acolher todo o sofrimento convertido em riqueza daquela gente escrava de si mesma.

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