UM EPISÓDIO QUALQUER


                
Mais uma festa, mais uma noite. Hoje não estou sozinho, na verdade nunca estou sozinho, sempre tenho a companhia do meu copo de conhaque. O único em que eu posso confiar é um pedaço de matéria moldado para carregar líquidos... Belo camarada! Como todo bom amigo, ele certamente vai acabar me traindo, e essa traição será explicita quando os meus exames médicos apontarem para algum tipo de malefício causado pelo consumo de álcool. Mas agora eu não quero me preocupar com isso, eu sou jovem, e como todo jovem, sou estúpido e penso saber tudo sobre tudo. Por isso que se danem os problemas vindouros, ater-me-ei aos de agora...

Ainda não estou na festa, só pensando em como ir até lá. Você pode dizer: “ora, vá! É só ir!” Sim, eu poderia fazer isso. Tomar o caminho de sempre, para a festa de sempre. Mas o que eu encontraria lá? O que me motiva a ir até lá? O que, afinal de contas, é uma festa? Para que serve uma festa? O que se busca numa festa? Já fui a festas demais, por isso hoje tenho as respostas. Minto! Eu somente tenho as respostas, nunca precisei ir a muitas festas para descobri-las.

Boa parte da minha vida eu passei dentro dum quarto. Meus afazeres eram a leitura, o estudo do violão e a masturbação. Realmente nunca senti a necessidade duma “mulher real” até os meus dezoito anos. Sempre me dei bem com a minha mão, com os meus livros, com minhas músicas ruins. Ma lá, na penumbra do meu cubículo, pensava comigo como seria o relacionamento com as outras pessoas, como seria conhecê-las e andar com elas. Somente fiz predições teóricas sobre esses temas. Para tanto parti do pressuposto inicial de que o motivador principal de todos “esses encontros sociais” era a vontade primitiva da reprodução.

Como esperado. Minha hipótese inicial era verdadeira. Depois de ficar matutando comigo mesmo durante semanas, decidi ir a uma festa para conferir. Casais amassavam-se um contra os outros. As mulheres, em trio ou par, principalmente, aguardavam a chegada de algum macho. Os homens circulavam dum lado ao outro em busca de cervejas, ou voltando com cervejas, para dar às mulheres com o objetivo de dar-lhes coragem para que aceitassem que as línguas dos seus mantenedores alcoólicos brincassem um pouco em suas bocas.
             
Tudo se resumia à busca pelo prazer corporal. Até tendei conversar com uma ou duas sobre outros assuntos, ou melhor, nesse ambiente ninguém fala abertamente sobre o objetivo que os leva ali, os eufemismos são empregados quase que em tempo integral, quando alguém se preocupa em falar... Na maioria das vezes a ação direta tem mais valor, em uma das minhas tentativas a guria simplesmente foi agarrada por um carinha! Não houve uma só palavra envolvida! Meu Deus, eu pensei, como são primitivos! Mais do que supunha.
               
O estranho de tudo isso foi conversar com uma garota, na saída da boate, sobre a minha observação. Ela simplesmente não concordou com a ideia de que ia a festas simplesmente para ser usado por algum homem, simplesmente para saciar seu desejo de ser “domada”. Discordou veementemente que o que a fazia beber era a vergonha de ter que lidar com preceitos morais enraizados em seu âmago. Só o que dizia era: “eu faço porque eu gosto” ou “eu venho porque eu gosto”. O problema de conversar com pessoas primitivas é que elas não saem da “superfície”, não conseguem penetrar nos motivos reais de suas ações, simplesmente porque sua moral não permite. A ironia é que vivem reclamando dos pais, mas conservam as mesmas concepções, portanto serão como seus pais no futuro.
               
Você pode até discordar de tudo o que coloco. Que você não é um bicho, que você só vai a festas para se divertir, que essa coisa toda de “somente busca pelo prazer” é algum tipo de argumento Freudiano de segunda linha. Que suas relações não se embasam somente em satisfação corpórea, etc. Contudo terá que me responder: por que você transa sempre que pode?

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