A lágrima é a materialização do sentimento, ela só não verte quente,
verte livre e verdadeira, e em seu trajeto perde o calor extraído das entranhas
da alma, fenece fria sobre os rostos mortos das fotos destruídas após deslizar
doce pela face rasgada e contorcida pelas expressões puras do espírito, do som
da vida que se exprime em soluços, pelas rugas explosivas que vem e vão,
emulando a ressaca do mar que avança tão somente para recuar e tornar e
investir, inútil em sua torrente arrasadora.Quem perde a habilidade de vertê-las, perde também o poder de apreciar e
exprimir o sentimento verdadeiro, a humanidade desses desafortunados regride,
são mais próximos de outro tipo de homem, um ser instintivo e violento,
manipulador, mentiroso, uma emulação de humano que é identificada quando sua
apatia tonar-se perturbadora até para si mesmo, de um modo que não consegue
entender, de uma forma que lhe preenche algo que nunca esteve lá, mas que
anseia por um emoção explosiva e destrutiva.
E quando teus olhos se fixam nos meus,
E teu braço envolve minha cintura
Sinto a segurança que só sentimentos tão profundos
e sinceros como os nossos
Podem proporcionar
Talvez fiquemos juntos uma vida inteira,
Talvez nos separemos no próximo mês
Mas a intensidade do que sentimos um pelo outro faz
com que o tempo seja
Algo totalmente relativo
Aquilo que tua boca não transforma em palavras
Por vezes posso ler em teus olhos, olhos de Poe.
Longe de ti sou insegura
E minha mente divaga através dos mais improváveis
pensamentos
Fazendo com que me entristeça ou acabe por
aborrecer-me por
Motivos vãos
Preciso ouvir de ti a confirmação daquilo que vejo
em teus olhos
Preciso sentir no teu abraço todo o carinho que
tens por mim
Preciso saber que tu és só meu
e assim, serei por inteiro,
Só tua.
E foi, e ele dela, porém nunca inteiramente, pois o sentimento nunca
brotou espontâneo, e essa palavra, brotou, o uso dessa palavra, esclarece que
lá nunca teve nada, nem o vazio existencial patético moderno, nem a memória
edificadora das identidades, nem a unidade, só fragmentos, mecanismos, modelos,
métodos de agir, de olhar, de gesticular. Todos consumindo a energia saturada e
gasta, o combustível insubstituível que esvai pelas falhas de caráter.
Sem lágrimas não se pode ter olhos de Poe, aquela misto de tristeza e vacuidade, de ser contemplativo, sensível, porém rude numa medida homeopática, não há esse dom, esse dom de verter sentimento, para quem não os tem, ou os emula mediante o uso desmedido de forças internas raramente carregadas. A esses, duas vezes infortunados, sobram somente as emoções básicas, os motores primordiais que os impelem à vida, ao sentido contrário da morte, deles não se extrai emoções ou sonhos, somente ações projetadas e objetivos concretos.
Qual surpresa daqueles que detectam tais seres! Qual surpresa ante revelações deles mesmos! Palavras expelidas por um impulso esvaziador das veias congestionadas pelos ataques do coração silencioso e econômico, que só faz uso da sua força na medida do necessária: luta, fuga e reprodução. Somente para isso serve, e os pulmões só respiram, as vísceras só digerem, e os rins só filtram, e os olhos… Os olhos só enxergam. E cada órgão segue sua função primordial, sem usos indevidos, sem inovações, estão todos restritos à sua natureza primeira, inflexíveis como o cérebro que os governa na maior parte do tempo.Sem lágrimas, sem olhos de Poe. Toda a candura dela desabou sobre a realidade, toda ela banhou-se no suor do prazer mundano, na fonte de sêmen quente salpicado na garganta, no negror infausto e traidor, nas pessoas antes odiadas. Tudo tornou-se flácido e frustrante, ela a ele passou da revelação ao revelado, não havia mais mistério, e os fatos futuros comprovaram as alusões pretéritas, e o sentimento presente implorou pela fantasia, contudo cada órgão somente cumpriu sua função, e os olhos continuaram secos, apesar de rasgar por dentro uma vontade estranha de ler um poema perdido e certamente assassinado por mãos alvas e umedecidas pela raiva.
Ah! Ele não podia nem umedecer as mãos pela raiva nem pela tristeza, somente pela dissimulação, e desde criança adquiriu esse poder para compensar a deficiência engatilhada pela mãe quando ele percebeu que o seu choro dava prazer a ela.
O chinelo desceu firme sobre as costas:
- O que foi, guri!?
Paf!
- ‘Tá louco!
Paf!
E as pancadas pararam porque o rapaz determinou-se em não chorar, o que o acompanhou para a toda a vida, tornando-lhe apático e estranho, até que aprendeu a dissimular, todavia logo percebeu que o esforço o tornava artificial, que no âmago dos alvos nascia um alerta sobre o ser na sua frente, algo inconsciente que berrava sobre a natureza daquela interação agradável. O que ele fez para resolver esses problemas com o sistema? Nada, só decidiu que deveria extrair o máximo de qualquer um antes que essa impressão destruidora fosse acionada. Em alguns era instantâneo, em outros, muito lento, quatro anos foi o maior período.
Conheceu-a através de amigos, num apartamento sujo, poluído por guitarras distorcidas e gente mal vestida, sempre usando roupas rasgadas e pulseiras espalhafatosas e ridículas, numa sala com um sofá entulhado de gente que balbuciava um inglês torto de ensino médio público. A voz dela fulminou-o, percorria o ar macia, acariciava o caminho para entrar doce nos ouvidos, começou a falar com ela somente para… Para fazê-la falar, sua timidez mantinha encerrada aquela melodia, ele simplesmente não poderia permitir esse cárcere, então a fazia falar, sobre roupas, sobre música, sobre guerras, sobre cinema, sobre animais… Sobre os dois.
Então ele percebeu que para continuar ouvindo-a, a voz, não ela, ele deveria tomá-la para si. E foram morar juntos na casa da progenitora, e tudo explodiu como sempre explodia, e a voz tornou-se dura, e o amor transmutou-se em líquido e escorreu finalmente para o ralo mais próximo, e daquele sentimento só subiu o odor acre e daquela vos nem bafo permaneceu, simplesmente fundiu-se com o ar e foi para sempre ter com outros ouvidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário