Morava eu num
pequeno cômodo de um simplório apartamento suburbano de quinta
categoria. Mas ali residia também uma mulher de beleza rara, dessas
que, pelo menos a mim, fazem explodir o coração e querer vender a
alma ao diabo para tocar-lhe os lábios uma única e inocente vez.
Essa esvoaçante e
devastadora beleza rendia-me desperdiçadas e ardorosas horas de
masturbação. Já não tinha muito afazeres além do trabalho
necessário e da alimentação , restando o resto de meu tempo há
uma dedicação servil à beleza desta que era bela em demasia.
Eis que, certa
noite, escuto barulhos oriundo do quarto ao lado. Lá onde residia o
ser luxurioso de meus devaneios. O som ressonava pelo prédio
inteiro. Um singular e rasgado gemido. O que atiçou ainda mais minha
mundana imaginação.
Estagnado. Ouvindo
a deliciosa canção ninfética. Fui surpreendido. Atravessando a
parede sólida do meu atordoante quarto ela se fez presente. Lá.
Bela. Vestindo uma fina camisola. Deixando transparecer toda sua
beleza que eu apenas fazia existir em minha mente. E suas curvas se
faziam ainda mais aterradoramente divinas.
Extasiado. Sem
saber o que fazer. Fui em sua direção. E ao toca-la senti o vazio.
Atravessei-a. Parei na outra extremidade do quarto. Voltei-me e ela
estava lá. Ainda mais sedutora. Olhando-me de uma forma que me punha
pavor e desejo.
Voltei para ela.
Aproximando-me lentamente. Tentei tocar-lhe os lábios. Mas não
conseguia. Ainda que tão viva e quente, permanecia intocável.
Cogitei ser loucura de minha cabeça. Cogitei estar desesperado.
Cogitei atirar-me pela janela.
Ela sussurrou então
ao meu ouvido. Palavras doces invadiram-me a alma. E num instante de
certeza absoluta entendi toda complexidade do universo. Todas as
dúvidas da existência humana.
Os poetas me
soltaram na face. Declamei todos versos perdido de amor. Dancei todas
danças orgásticas. E num ditirambo em solitude entrei em transe
apocalíptico. Ela bailava sussurando palavras confusas, porém
aconchegantes. E num enlouquecimento erótico me transmutei.
Atravesseis todas
paredes do prédio. Caí do terceiro andar. Adentrei as entranhas da
terra. Acasalei com seres do inóspito fundo oceânico. Subi.
Voltei. E prossegui. Já não sabia mais voltar ao meu corpo. Já
fazia-me escorrer infinitamente num gozo eterno de uma luxúria
inocente e voraz.
Nunca mais soube o
que era ser humano e mortal. Nunca mais soube o que era. Nunca mais
soube onde estava. Nunca mais deixei de senti-la.
Nunca soube o que
era realidade, fantasia, loucura ou trapaça de minha mente. Apenas
desmantelava-me possesso de amor e fúria.
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