A borrasca fazia-se terrível. Raios. Relâmpagos e trovões. Cheiros dos
mais variados pairando no ar. O negror da noite encobrindo céus e terras.
E as palavras proferidas. Maldições esbaforidas. O eco se dava em todas as
línguas. Mortas. Extintas. Ou vivas.
‒ Tudo que eu lambo é meu! Tudo que eu lambo é meu! Tudo que eu lambo é meu!
Fez-se assim a língua profana. Tudo que ele lambia era dele. Profecia
sagaz. Talvez. Lambeu palácios de ouro, reis e rainhas. Lambeu cu e buceta
e pau. E foi se adornando do mundo. Senhor de tudo que sua língua podia
tocar.
Evitava, porém, as bocas, as outras línguas. A falha da magia da
profecia. Uma língua lambida tornava-se dele, e tudo que ela lambia seria,
por sua vez, seu. No entanto, lamber não era beijar. O beijo era o ponto
de desgraça de tudo.
Mas eis que um dia embriagado, acordou-se sorvendo os lábios de uma bela
ninfa. Ela extasiada, correspondendo acalorada, foi dele se apoderando. E nesta confusão
desastrada, de língua na língua e saliva. Não se entendeu mais nada.
Agora era o caos molhado. A saliva reinando soberana. Perdeu-se o poder
de língua única. E numa suruba babada o mundo se desfez em linguadas.
Compartilhando de tudo, bucetas, bocas, paus, cus, bundas, dedos, orelhas,
narizes, olhos, mamilos, suores, sangue, porra. Foi o fim da ordem
estruturada, configurou-se um novo mundo.
Lambida, lambida, lambida; assim... Lambida ou nada. A língua, o bem
mais fecundo.
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