I - O Nome
Branca de Neve, assim
costumavam chamá-la os homens barbudos das docas quando queriam mesclar às suas
conversas simples sobre as intempéries marinhas alguma ironia fina subentendida
pelos nativos, mas arcana aos forasteiros. Branca de Sêmen, assim a ela se
referiam quando as brincadeiras na casa de prazeres lascivos, Once upon a Time,
surgiam fundidas aos vapores alcoólicos entremeados ao bafo pesado de peixes
recém-pescados – ou às vezes nem tão recentemente mortos assim.
– Ouvi falar que nunca
tomou um banho em toda a vida.
– Então deve ser
parente sua!
E todos riam: dentes
amarelos e arregaçados cuspiam para o ar inerte suas imundícies ébrias, pedaços
de carne de veado mau passado e pão preto mofado comido com queijo vieux
boulogne de baixa qualidade, servido com um vinho ainda pior, feito no outro
extremo oposto do país, varavam também os ares; não sem que os marinheiros
exibissem com gestos maquináticos aquela ou esta posição que melhor lhes
apetecia quando em companhia de Branca de Sêmen.
Não se poderia
imaginar, e creio não estar sozinha nessa conjectura, que o pai de Branca fosse
capaz de dar a ela tamanha graça, pensou ele em algo um tanto quanto oposto, ou
no mínimo mais romântico: Rosa Vermelha. Desejava, tal sua esposa, uma “criança
que tivesse os lábios rubros como o sangue, encarnados e majestosos, desejosos
e puros”. Como imaginar que os deuses iriam entender que o vermelho encarnado e
bem conhecido pelos marinheiros – diga-se de passagem, e sem maiores pretensões
– iria manifestar-se naqueles outros lábios mais abaixo, aqueles tépidos e
suaves, desejosos, gulosos e até – não demorou a perceber que podia – treinados
pelas artes do oriente. E como conceber que a pureza manifestar-se-ia por meio dos
ensinamentos de Vatsyayana, mas deixando de lado o Dharma para se concentrar no
Kama (a especialidade em extrair o gozo da relação dos sentidos com os
objetos)?
O primeiro objeto não
poderia ser mais simplório e comum, algo que, a muitas mulheres, servem-nas de
primeiro amante: um sofá. Quando ainda criança, Rosa sentava-se com suas
perninhas abertas sobre o braço do sofá no escritório do pai, onde ele
costumava atender outros homens de negócio, tal qual ele, sempre ávidos em
maximizar seus ganhos naquela cidade portuária e outros entrepostos
assemelhados, quer ficassem na terra ou no ar. Sentava-se ela, ou melhor,
cavalgava o sofá com as perninhas abertas, brincando de amazona, fingindo
perseguir homens indefesos que apareciam na sua ilha selvagem e esquecida,
tomada por lindas fêmeas primitivas, porém requintadas nas artes guerreiras e
completamente independentes de qualquer influência estrangeira. Enquanto
perseguia um incauto que ali havia aportado, foi saltando, saltando, e algo foi
saindo e saindo, sentiu uma umidade gostosa e estranha, tépida, morninha mesmo,
bem boa de gozar, e de tanto cavalgar, acabou por gozar mesmo, um gozo
inocente, de anjo, um gostar ingênuo de criança levada; repetiu e repetiu,
então percebeu que repetir é o que era bom, precisava variar não, o simples
resolvia: era só cavalgar e cavalgar.
E cavalgando, Rosa
Vermelha cresceu molhada, encharcada:
- Nossa! Essa menina
anda com a roupa sempre ensopada! - reclamava a serva.
- É que eu gosto de
brincar de correr! - dizia Rosa.