A AVENTURA DE HANS FALL NA FERIDA ERÓTICA

Os vagalhões de água revolta assaltavam o convés como a fúria dum titã. Muitos homens eram arrebatados pelo amplexo gelado e mutável do Oceano que, naquela noite, exteriorizava toda sua lamúria por ter aquele odioso pedaço de madeira entulhado de homens deslizando por sobre suas franjas azuladas.


Diziam os marinheiros que o Mar era em verdade uma mulher, uma mulher ciumenta que esporadicamente varria de seus domínios hordas de aventureiros intrépidos que por ali vagavam sem ter flertado adequadamente com a raivosa dama com nome masculino.
Hans Fall era um desses beócios. Havia adentrado naquela nau clandestinamente. Poucos dias a bordo tinham sido o suficiente para causar-lhe uma dor atroz no estômago. Furtar a comida rala dos marinheiros não havia de modo algum sido uma ideia adequada. A sopa de lula com água do mar destilada era mais oportuna aos ogros.
Ogros! Era isso que eram aquela turba de seres que há muito abdicaram da civilidade. Todos os marinheiros agiam como criaturas dantescas e cruéis. Buscavam constantemente humilhar uns aos outros. Certa feita, Manuel, um português bigodudo, e Ramirez, espanhol de tez morena e ascendência árabe, arrancaram um o olho do outro numa disputa pelo último tentáculo de lula.
George era o único que transpirava humanidade. Era meigo, simpático, de lindos olhos verdes contornados por cílios sinuosos e femininos. Suas mãos não compartilhavam da mesma aspereza dos orcs que tão odiosamente o acompanhavam. George era um anjo do Senhor imerso no abismo dos demônios, e Hans era o seu guardião.
Agora que o Mar ameaçava engoli-los com sua bocarra que não conhece a misericórdia, lembranças tomadas pelo gozo da alegria emergiam fantasticamente da cabeça de Hans. Em todas elas uma figura esguia e delicada se deixava entregar aos seus braços felpudos, salpicados pela chibata do sol e reforçados pelo trabalho a bordo.
Em meio ao caos que mostrava aos homens o seu lugar, Hans lembrou-se de quando fora encontrado escondido na dispensa do navio. A pena para o seu sonho de conhecer as Américas foi dez chicotadas que lhe arrancaram dos olhos o pouco de dignidade que lhe restava. Fundiu-se em lágrimas como uma criança que acabava de perder seu brinquedinho.
Após o castigo, Hans foi forçado a trabalhar no navio. Algo que para ele, apesar do que havia ocorrido, parecia justo. Todos tinham sua parte na labuta, por que com ele haveria de ser diferente? Limpar o chão constantemente imundo do convés inicialmente fora penoso por conta das feridas que lhe lambiam as costas. Até que surgiu a imagem de George. Ele ajudou Hans a limpar suas feridas e também o navio.
O capitão reprovou a atitude do seu comandado e acabou por castigá-lo. Surrou-o aos socos e pontapés, infligiu-lhe graves hematomas e quebrou-lhe o nasal, fazendo-o perder o sentido do olfato; o que naquele chiqueiro flutuante era algo não tão ruim quanto podia parecer inicialmente. Ao menos as fezes e imundices dos marinheiros não mais o ofenderiam.
Hans tratou com carinho e esmero de seu camarada, de igual maneira a como havia sido cuidado outrora por ele. Enquanto as mãos do ex-clandestino deslizavam suavemente pelo peito desnudo e ferido de George, este conjurou do seu âmago a coragem para roubar do seu enfermeiro o beijo que tanto ansiava em seus mais depravados desígnios.
Os lábios masculinos e carnudos friccionaram-se com desejo e pujança. As mãos de George correram com prazer pelas costas de seu curandeiro. Suas unhas passaram displicentemente pelos sulcos da chibata do capitão. Um gemido, de prazer e dor, escapou da garganta de Hans. Mas ele não se desvencilhou do abraço forte do assaltante.
Num lapso de hombridade, Hans evadiu-se do amplexo do atacante e desferiu-lhe um pesado golpe nas fuças, fazendo-o chegar ao chão. Impropérios foram proferidos pelo homem molestado. Seu alvo limpou o sangue que lhe escorria do rosto, esboçou um sorriso sardônico e pediu por mais! Queria sentir novamente sua pele ser afligida pelo punho másculo de Hans.
A queimação da derme oriunda da pancada precisa fez com que o pênis de George inflasse de prazer até quase estourar. Espontaneamente o moribundo introduziu a mão esquerda, era canhoto como o Diabo, na calça confeccionada com fibras de cânhamo. Pôs-se a masturbar-se com firmeza, gemendo como uma meretriz francesa.
Tal cena causou repúdio aos olhos de Hans, mas estranhamente ele passou a sentir que os trapos que lhe cobriam as pernas tencionavam-se em certos pontos. Estava ele excitando-se com tudo aquilo! Num átimo atirou-se ao encontro do seu outrora objeto de terror, arrancou-lhe as roupas como se fosse ter com um ser advindo do Paraíso do Senhor.
Hans ensartou o falo na cova que tanto repudiava após virar bruscamente seu camarada de sodomia, pondo-o com os joelhos e as mãos no chão. A violência do ato cobrou seu tributo na forma do sangue. O viscoso líquido da vida escorria do ânus do passivo, mas ainda assim ele continuava a gemer e a pedir mais! Mais! Mais! Mais! Mais! O porrete do prazer de Hans perscrutava profundos caminhos, surrou a próstata do atacado, mas ele continuava a gemer!
Repentinamente o visado pelo outrora heterossexual levantou-se quase partindo o naco de carne que lhe ocupava o espaço do reto. Tomou seu amante com pouca delicadeza, havia por completo perdido seus movimentos mansos e afeminados, e o fez tocar com o pênis uma das horríveis feridas prodigalizadas pelo capitão em seu furor passado.
Os olhos de Hans arregalaram-se de terror diante de tamanha depravação: George começou a roçar sua ferida, que se abria mais e mais, no falo de seu companheiro. Apesar da dor que lhe afligia o corpo, ele soltava gemidos cada vez mais longos e prazerosos. O volume do gozo de prazer daquele anjo da volúpia enchia a mente do outro de angustia e dúvidas.
E se alguém os visse em tal ato? O homossexualismo não era incomum entre os marinheiros, mas aquilo deveria ser semelhante ao sexo dos demônios! Então por que não parar? Hans não sabia o que o fazia continuar naquele espetáculo de luxúria e sadismo. Mesmo assim ele permanecia imerso na devassidão.
O que antes era uma pequena e delgada ferida logo se tornou um talho semelhante ao causado pelas espadas! Novamente o pavor inundou os pensamentos de Hans. A cabeça do seu pênis já estava a perder-se no interior da pele de George. Elevações formavam-se externamente de acordo com os caminhos tomados pelo falo do agora sodomita de dermes.
O quinhão de Deus escorria pela ferida aumentada. A pele do grandíssimo depravado, noutro tempo tão meigo, ia tornando-se pálida, sua face convulsionava-se de tal modo que se não podia distinguir se o prazer ainda lhe percorria o corpo ou se este havia sido substituído pela dor. Na dúvida Hans tentou remover seu falo daquela ermida de deleite sanguinolento. Ao tentar sair, sentiu a mão de George segurando-o fortemente. Ele queria mais!
Mesmo querendo parar, Hans não pôde. O prazer ainda o escravizava. O gozo venéreo estava prestes a preencher o interior da sua uretra, assim como as veias de George. Continuou a roçar aquela pseudo-vagina disforme, macabra e (pode-se dizer) menstruada. Cada vez mais forte, dominado por um instinto demoníaco há muito adormecido no coração dos homens, Hans ensartou o falo na ferida. Mais forte! Mais forte! Agora Hans berrava.
As veias da cabeça prestes a explodir. Os músculos tensionados segurando com vigor o objeto de prazer. Sim! Agora não passado dum objeto! Um mero recipiente da sua volúpia! O doce George foi reduzido a uma simples meretriz que deveria ceder às vontades pútridas do seu alugador! Hans castigava-o com as pancadas de seu saco escrotal! Apertava-o como se ali estivesse todo o ouro Asteca furtado por Cortês! Seu pênis era a espada vingadora de Alexandre, o Grande! E de fato era, era GRANDE!
Findo o furor sexual. Hans sentiu-se mergulhado nos braços do Oceano. Sua pele reluzia ante a presença bruxuleante da única testemunha do pecado: uma vela. O suor foi removido com uso dum pedaço da roupa de George, arrancado não se sabe como durante a cólera de excitação que o havia dominado. O período que aquilo havia durado parecia-lhe fragmentado nas tramas do tempo.
Não se ouvia mais os brados de prazer do depravado que dera início aquela cena jamais dantes vislumbrada. Nem mesmo nas casas de burlescos eróticos mais libidinosos das Antilhas algo tão grotesco foi feito, visto ou pedido. Mesmo os piratas que por lá vagueavam não haviam pensado em algo tão baixo, sujo, cruel e deplorável. Exausto, Hans correu os olhos pelo aposento em busca do seu amante.
Grande foi sua surpresa ao vê-lo estendido no chão com o ânus tomado de sangue; aquela ferida do prazer esbaforindo sua grotesca carga por sobre as madeiras do assoalho. Estava inerte, branco como a cera, nenhum sinal de vida se manifestava naquele corpo. Estava morto! Morto pela busca desmedida por prazer! Morto pela ânsia do gozo sexual! Devia, pensou com terror Hans, estar queimando nas vísceras do Inferno nesse momento! E ele, que deu combate à depravação, também teria o mesmo destino!
Hans Fall se sentia como se o seu cérebro estivesse caindo num abismo. Suas ideias eram tomadas por brumas onde mil demônios esquivos a sua visada deslocavam-se furtivamente com o intuito de arrancar-lhe as entranhas para usá-las na forca onde seu miserável corpo seria suspenso sobre o Mármore do Inferno por toda eternidade!
Com o falo exangue, e com a sapiência maculada com um pecado imperdoável, o sacrílego pôs-se a limpar o ambiente da sua sujeira moral; bastante materializada sob a forma do cadáver de George. Pensou inicialmente em jogá-lo ao mar durante a noite. A lua e as estrelas seriam as únicas testemunhas do ato. Aquelas águas eram livres de piratas, as sentinelas, apesar da ameaça da chibata, sempre acabavam dormindo.
Hans aguardou o momento oportuno para relegar ao Mar o seu crime. Mas este já havia planejado algo que ia além de qualquer pensamento que o assassino havia formulado. O Mar em verdade é mulher, todos sabiam, e como mulher não podia suportar ter deslizando por entre seus fios ondulados um ser tão sujo quanto aquele que desesperadamente ansiava livrar-se da sua culpa jogando-a no seio do Oceano.
Repentinamente as águas elevaram-se em todo o seu clamor, reclamando as almas dos moribundos que naquela nau navegavam. A imagem do mastro se partindo e pressionando o corpo de Manuel, o português, contra o convés fez a mente de Hans retornar ao caos marítimo que se espalhava por todas as direções. A imagem de George esvaiu-se como uma chuva de verão.
Agora Hans Fall lutava pela vida! Mas esta não demorou a abandonar o seu corpo quando o navio veio a pique. Toneladas de madeira foram engolidas pelo mar como se não passassem de palitos de dente sendo tragados por um ralo. A última visão que teve foi a do cadáver de George à mercê das vontades do Mar. Tudo escureceu. Hans tombou, tombou ao lado do homem que lhe fez conhecer o Céu, mas que acabou por condená-lo ao Inferno.



Um comentário:

  1. Juan Sanchez Villa-Lobos Ramirez em uma de suas longas vidas teria sido também um marinheiro?

    Gostei, a descrição do cenário, das ações e a linguagem são dígnos de bons e memoráveis contos, não necessariamente daqueles "proibidos" - obviamente, neste caso, dotado de requinte e depravação, como o blog sugere. Parabéns!

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