A MÃE, O MICRONDAS E O BEBÊ

Masturbei-me pela primeira vez com um pedaço de bife queimado. O cheiro da carne salpicada era-me irresistível. Eu parecia uma hiena enlouquecida por carniça. Quando minha mãe jogou aquele pedaço dos sonhos na lixeira, não perdi tempo: precipitei-me com o intuito de resgatá-lo. Em minha paixão corri o mais que pude. Subi no telhado da casa e lá ensartei meu falo no naco suculento. Tal morbidez ocorreu ainda quando era criança. Oito anos. Pela travessura levei uma surra de pau que nunca esqueci. Confesso que gostei de sentir a clava pressionando com vigor minha pele. Meu falecido pai percebeu o prazer que me causava na ocasião. Cessou de imediato a dádiva. Como fazia com a mulher que me pariu: conservava para si os prazeres, deixando-a a mercê dos próprios meios... Amigos de bar são os melhores!


Cresci, e à medida que me alongava meus gatos iam sumindo. Apareciam num terreno ao lado: esquartejados; surrados; esmagados. Quem quer que fosse que fazia tamanha maldade contra meus bichanos tinha por certo diversificação de métodos. Gostava de ver os bichos mortos. Gostava de matá-los. Meus pais não podiam saber, mas eles sabiam que sabiam. Apenas não queriam que os outros soubessem. Por isso compravam mais gatos. Diziam: “se fosse nosso filho, não compraríamos mais gatos para ele!”. Gente burra. De periferia. Não sabiam nem quem era o governador do estado. Caiam na história. Meus pais, mais burros ainda, acreditavam que estavam convencendo. Pareciam deputados novatos em época de eleição. Como eu disse: gente burra.
Segui por essa linha. Cortei um dedo ou dois. Eram meus amigos. Eram como os gatos. Eram MEUS amigos. As mães dos amiguinhos não gostaram. Processo. Fuga. Escola nova. Eram MEUS amigos! Sempre havia mais gatos por aí. Mais dedos. Mais sangue. Mais tripas. Mais fuga. O que fazer comigo eles não sabiam. Abandonar não podia: anticristão. Ia à igreja, sempre. Rezava; ajoelhava; rezava; ajoelhava... Nada. Precisava de mais amigos. Cresci. Corri. Com os meus pais por toda parte estive. Sempre conservando meus hábitos. Eles me amavam. Passaram a me ajudar. Foi bom. Mas um dia eu tive fome. Ensopado: foi assim que os servi para minha primeira namorada. “Onde estão seus pais?”. Estávamos pelas bandas de S... “Foram banhar-se nas térmicas”. Eu nunca mentia.
Transei. Gostei, repeti. Acho que ela gostou também. Também repetiu. Falava pouco. Falava nada. Ela também. Era charmosa, não bonita. Pai rico, conservador... Não, não era político. Bem podia ser pelo corte de cabelo. Odiava-me. Proibiu-a de ver-me. Ódio: não vale nada perto do ímpeto da concupiscência. Chevette velho; amassado; despintado; mal cuidado. Presente póstumo do meu pai. Ele falava comigo: “quero uma prole que carregue meu legado”. Prole? Legado? As pessoas devem aprender palavras novas com Deus. Eu era a prole! O que ele queria dizer? O que Ele queria dizer? BR X. Velocidade total. Velha atropelada. Cabeça rachada. Eu gostei do quadro. Ela não... E ela também não.
Conflito de ideias. Retorno da razão. Duas pás encheram de terra um sorriso sem dentes. A barriga já atrapalhava... Ela quis continuar o trabalho. Empurrou-me. Surrei-a: como papai disse. Agora o chamava papai. Sua voz era melhor de se ouvir. Sua sabedoria, maior que a da Bíblia. Ah! Como sou burro! Claro! Deus estava ao lado do meu velho! Por isso a sabedoria. “Bata mais forte!”. “Como queira pai!”. Duas; três; quatro; cinco; seis. Sangue! Poff! Sangue! Poff! Sangue! Choro... O que importa? O desenho na areia era bonito: curvas rubras que se seccionam. Uma para cada “poff”. Eram nove. Nove. O número de dedos dos meus amigos. Lindo de se ver. Lindo. Boas lembranças.
“Levanta meu amor, temos que ir”. Fomos. Choro. Soco no porta-luvas. Aparato quebrado. Mais choro. Carro parado. Poff! Poff! Poff! Poff!!! Corre para o mato. Deixo de lado. Vou de um lado ao outro. O que faço agora? Onde está a vadia? Preciso de mais dedos... Preciso de mais sexo. Sigo o rastro; de cócoras atrás da moita. Mão com mão. Toque delicado. Pedido de perdão. Choro... “Sem poff!”. “Tudo bem pai”. BR X. Estrada solitária. Neblina. Silêncio. Música do Raul. Tragédia: a rádio só traz o mal ao mundo: por que não uma música feliz? Estávamos felizes: teríamos um filho em um mês. “Sorria”. Choro. “Sorria!”. Sorriso. Assim deveria ser a nossa vida: feliz. Afinal, não era assim a vida de todos?
Casa nova, emprego ruim. Dedos novos, vida boa. Tevê velha. Pai indignado: “àquela vadia não toca em um centavo do que é meu!”. “Mas é sua filha...” Repórter sensacionalista. “Não tenho filha”. Ficamos felizes. Não precisamos dele: “não é querida?” “Sorria!” Belos dentes. A mulher concorda com o homem. Assim deve ser. Assim sempre foi. Se não... Poff! Era o nome do NOSSO cachorro. Ele morde os desobedientes. Já ensinava ao futuro rebento como se comportar. A mãe sempre alegre. A corrente nova no tornozelo ficou muito bela. “Não é querida?” ”Sorria!” Alvos dentes. Belos.
Pipoca: barata; gostosa; saborosa... Inflamável. Hora da novela. O fogo começou. Pipoca de mais. Pandemônio flamejante. Fumaça de mais. Vizinhos receosos. Toc! Toc! Atendo: homens de preto e amarelo do outro lado. “Não foi nada demais”. Gritos abafados. “O que foi isso?”. Poff! O cão aparece. “Bicho barulhento”. Eles sabem como é. Vão embora, também não querem perder a novela. Todos assistem àquela novela. “Por que Ela não ficou assistindo a novela em silêncio como EU mandei!”. Poff! O cachorro abanava o rabo solidariamente à emissão familiar. Poff! Poff! Poff! Três giros no ar. O cão estava feliz. Poff! Poff! Hoje tem biscoito! Poff! Poff! Poff! Poff! Poderia dormir no quarto. Choro. Um aprendeu e outro não entendeu. “Sorria!”. Agora estava certo.
Comprei um forno microondas. Muita pipoca. Pipoca da boa. Uma semana comendo pipoca. Ela também. Suava copiosamente. O que tinha? Eu não era médico. Eu não era nada. Nunca tive tempo para ser. Eu era o maior. Um líquido escorreu no penico dela vindo de dentro. Guardei: parecia bom. De fato era: leite condensado, orégano e um pouco de conhaque. Drink de bar chique. Queria mais, mas não tinha. “Eu vou dar à luz”. Voz arrastada. Agora tinha entendido. Não queria que fosse assim: acertei a cabeça dela com um pau. Sangue! Mas não desmaiou. Fiz de novo. Outra vez. Logrei êxito. Sangue. Muito. Rubro. Bonito, bonito, bonito... Tudo indo para o chão.
Faca de cozinha. A tevê dá idéias. Incisão no flanco. Acho que esquerdo. Pele. Coisas. Nojo. Vômito: para dentro do corte. Sai um bicho sujo de pipoca velha. Não respira. Seguro no colo. Frio. Frio em demasia. Enrolo no cobertor: não esquenta. Enrolo outra coberta. Não esquenta... Medo, apreensão: “o que faço?”. Ah! O forno microondas! Quando a pipoca na cabeça do bebê salpicar, eu tiro. Cinco minutos. Deve bastar. Gira sob a luz como um pião de pia. Perninhas para baixo. Mãozinhas para baixo... “Por que não as levanta?”. Deixa mais tempo. A fumaça é pouca.
Cabeça para trás. Os dentes ficam à mostra. Ela parece feliz. Está sorrindo. A família perfeita, como sempre havia sonhado. Sexo. Deveriam comemorar o momento: abriu as pernas dela; moles. Já estava excitado: quando o cheiro da carne queimando golpeou-lhe o nariz. Vai e vem frenético. Tentou beijá-la, nada. Novamente. Nada. Nem mexia. Mas lá, perto de onde ele penetrava, havia outra boca. Carnuda, fechava e abria sem parar: queria ser beijada. Lábio com lábio. Língua sem língua... Beijava mal àquela outra boca: talvez soubesse oral. Ah! Melhorou bastante. Bom. Muito bom. Estou quase lá...
Interrupção. Fumaça por tudo. Que cheiro bom. Foi ao forno microondas. Tirou o bebê tostado. Pretinho: não podia ser seu filho. Agora sabia o que tinha acontecido: fora traído. Foi à mulher. Agonizava. Ainda vivia! Mostrou-lhe o bastardo depois de tê-lo esfriado na privada. Olhos arregalados. Último brado de terror. “Meu pai estava certo”. Último pensamento de terror. Morte. Dentes amostra. Havia morrido feliz por ter agido como uma puta. “Por que meu pai nunca me disse?” Os dois deveriam ter feito algo. O filho é a semelhança do pai, não a semelhança do pai do pai. “Herege! Comeu minha mulher e acabou sendo comido por ela! Herege porco e depravado! Vou traçar seu filho!”
Traçou-o. Não foi difícil. O velho bife da infância. A sensação que voltava. Era quentinho por dentro. Houve dor ao entrar, mas essa só serviu para excitar-lhe. Forçou mais: sons dum tipo de elástico sendo rompido. Os braços mexeram. Pequeno ruído. Quase ejaculou. Não ia tudo. Forçou com tudo: mais um ruído, agora forte, seguido duma repentina umidade e facilidade para ir mais fundo. Ai ficou fácil. Deixou lá dentro sua marca. “Maldito desgraçado!” Seu pai deve ter ouvido os gritos. “Quem vai completar meu prazer agora?” Chorou.

Um comentário:

  1. Insanidade. Psicose. Mazoquismo. Fumaça. Fogo. Doença. Sangue. Churrasco? Putrefação. Freud. Pipoca. Poff. Poff. Poff.



    Gostei.

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