A água salobra estapeava o rosto do náufrago jogado à beira da praia de areia clara e fina. O som das gaivotas misturava-se ao agradável som emitido pelo vai e vem das bordas do oceano que tentavam, em vão, invadir as terras altas do litoral. Restos de madeira, outrora constituintes duma grande nau, vagueavam soltos à mercê do mar. Um desses fragmentos veio de encontro à cabeça do moribundo estirado ao chão.
Apesar de a pancada ter sido assaz poderosa, Hans Fall, o único sobrevivente duma terrível tempestade que tragou a vida de muitos homens, levou algum tempo para despertar plenamente do seu sono repleto de imagens de morte, sofrimento e depravação. Naquele navio, que adormecia nas profundezas abissais do Oceano, repousava um segredo que jamais deveria ser trazido à luz da mente humana: o segredo da Ferida Erótica.
Hans limpou da mente os pensamentos que tanto o perturbavam, abriu os olhos, mas logo os estreitou quando o sol os feriu com sua irônica risada.
Com a cabeça tomada por lancinante dor, ele tentou levantar-se, todavia, o cérebro parecia-lhe expandir-se e contrair-se, o crânio, por sua feita, permanecia com o volume inalterado. Essa terrível sensação fez-lhe tombar com as fuças na areia.
As aves marinhas sobrevoavam o quadrante no qual o náufrago estava depositado de maneira tão humilhante. Esperavam com ansiedade o seu fenecimento para se banquetearem com sua carne. Uma das gaivotas, de maior porte e coragem (ou talvez fome), precipitou-se sobre Hans, desferindo-lhe uma bicada certeira na orelha esquerda.
O pensamento de que estava sendo devorado vivo fez com que Hans reagisse de imediato: tentou arrebatar o atacante, contudo o tempo no mar, a falta de alimento e o cansaço, assim como a agilidade da ave, fizeram com que a manobra não lograsse êxito. A mão calejada, tanto pelos trabalhos manuais quanto pela masturbação, fechou-se na areia. Tendo em vista o alvo errado, o moribundo não fez qualquer esforço para mantê-lo prisioneiro, largou-o e tentou levantar mais uma vez.
Fazendo uso dos músculos cansados, Hans se pôs de joelhos somente para prostrar-se contra vontade novamente. Caiu de costas na areia umedecida pelas constantes investidas do Oceano em direção à praia. Sentiu o ardor das assaduras que o sol havia lhe infligido, covardemente, na região do trapézio enquanto permanecia no plano intermediário da vida e da morte aguardando a decisão do Todo Poderoso. Amaldiçoou o dia que pôs os pés naquele execrado navio quando da sua visita ao Porto de Lisboa, em Portugal.
No alto as gaivotas esperavam o seu derradeiro suspiro. Num brado de fúria, que poria medo no mais ousado guerreiro, Hans proferiu impropérios que causariam repúdio até mesmo ao Senhor do Inferno. Arfou o peito descontroladamente quando finalizada a sua cólera. O ar tornou-se denso nas redondezas, era-lhe difícil sugá-lo para dentro dos pulmões. Era o fim! Entre ele e o ente solar já surgia à imagem dum rosto imerso em trevas! Os servos de Lúcifer exigiam a carne pertencente ao seu Mestre! Sem mais forças, entregou-se ao abraço da morte...
Notas melodiosas corriam soltas na brisa reconfortante que massageava a derme do homem depositado numa esteira lindamente decorada. O som provinha duma harpa cuja condutora assemelhava-se às beldades dos devaneios árabes que ditavam as maravilhas da pós-vida. O Mar ainda cismava em fazer ouvir o seu bramido no exterior, assim como os seus parasitas voadores que tanto aguardaram o abandono do corpo por parte da alma do náufrago que tanto agonizara sob suas penas alvas.
Ao libertar os olhos da custodia das pálpebras, Hans foi capaz de contemplar a beleza da ninfa música em todo o seu esplendor: um vestido da mais pura seda caia-lhe pelo corpo seguindo os contornos simétricos dos seios fartos que cismavam em definir os seus mamilos angélicos ao mundo exterior; a cintura era pressionada por um laço confeccionado com tecido brilhante desconhecido à mente do homem, tal ornamente realçava as ancas largas que pediam para serem pressionadas com volúpia.
O rosto não apresentava defeitos: lábios afáveis e rosados; olhos sinuosos e forrados do mais puro verde; o nariz fino posicionava-se com elegância e sua ponta, sensualmente arrebitada, parecia mostrar aos mortais sua insignificância; bochechas rosadas levemente camufladas por longa cabeleira castanha e encaracolada fariam daquela mulher objeto de estupro em qualquer cultura da Terra; os fios que lhe corriam o corpo até as cochas grossas e torneadas eram radiantes ante a presença tênue do sol que se fazia intruso para glorificar tamanha boniteza.
Qualquer ser pensaria ser aquela uma habitante do Paraíso, mas Hans não foi capaz de conceber tal pensamento, pois a dor tomou-lhe o corpo no momento em que tentava levantar-se para tocar aquela criatura áurea que lhe abençoava os olhos cansados. Na há dor no descanso da Vida. Pensou ele. Então não haveria de estar na ermida final de todas as criaturas viventes. Isso fez-lo resguardar as suas forças diminutas. Certo é que não estava no além, se estivesse estaria no antro dos demônios, não no braço dos anjos. Não, não estava morto.
“Onde estou?”. Proferiu com esforço. A mulher seguiu extraindo o canto do seu instrumento; estava completamente avessa aos sussurros do homem. Mais uma vez ele arrancou do fundo da garganta, agora com maior esforço, a questão dantes. E mais uma vez ela continuou a tocar com maestria o lindo aparelho que detinha em seus braços alvos e delicados. Completamente absorta, hipnotizada num êxtase de paixão pelos sons harmoniosos que corriam alegres e tenros pelo casebre surrealmente adornado.
Com empenho, Hans foi capaz de remover suas esferas oculares do ente majestoso para poder perscrutar o ambiente que o cercava: era uma cabana feita com madeira esverdeada, cuja qual pôde constatar ser de palmeira, mas dum tipo nunca dantes visto por ele, das madeiras emanava um perturbador brilho; o chão era recoberto por tecido felpudo cor púrpura, conjuntos de círculos concêntricos espalhavam-se por todas as direções, muitos desses conjuntos estavam sobrepostos; grandes janelas deixavam suas lindas paisagens praianas escaparem por entre cortinas multicoloridas, noutra parede o pórtico de entrada desprovido de porta mostrava ser aquele uma comunidade pacifica.
Enquanto vislumbrava todas essas belezas, parando esporadicamente para observar com desejo a madona que continuava a tocar sua harpa dourada, Hans imaginava como seriam os afortunados homens que ali viviam. Não podia inquirir nada terreno para explicar toda a bonança que tomava o seu corpo, não havia lembrança em sua mente, apesar da dor que ainda a afligia, de tamanho conforto e temperança. O melhor seria que fosse ele o único ser possuidor dum pênis naquelas bandas, daí sim jamais sairia dali. Mal sabia Hans que seu último pensamente, em parte, se constituiria em verdade...
De assalto os ouvidos do naufrago resgatado foram inundados por um som alto, agudo e bastante desagradável. O barulho repetiu-se, o órgão auditivo de Hans pareceu ser perfurado por agulhas; a dor no cérebro acentuou-se. A harpista ergue-se sobressaltada, hirta como uma estátua permaneceu nesse estado até que a cabeçorra duma criatura, cuja existência deveria estar somente relegada ao Mundo das Fadas, abocanhou-lhe a cintura delgada, puxando-a com sofreguidão para fora da cabana onírica. Apenas um grotesco tapete vermelho permaneceu no outrora recanto dos sonhos da música celeste.
Um pavor tórrido, semelhante ao do momento do pique da nau durante a fúria do Mar, tomou conta do cérebro de Hans. Teria ele sobrevivido ao castigo das Águas somente para ser deglutido vivo por um ser bestial? Se aquele monstro não havia sido capaz de demonstrar clemência diante de tão bela moça, o que seria dele, um modesto marinheiro azarado e pecador? De certo sofreria por todas as pilhagens nas quais deu parte, pagaria pelas orgias nos portos, os repastos além da conta que quase rebentavam seu estômago. Dessa vez não escaparia.
O ser oriundo de pesadelos adentrou na casa. Da sua bocarra ainda escorria o divinal mantenedor da vida da outra que tanto encanto havia despertado no coração rijo do terrível homem do mar. Com os dentes escancarados, a criatura avançou na direção de Hans. Seu nariz gigante, assemelhado ao dum cão, movimentava-se freneticamente ante a presença do alimento vindouro; os olhos negros posicionados ao lado da cara com focinho alongado focavam-se na presa; as patas pisavam com firmeza no chão que tremia por conta da passagem do grande ser de pêlos curtos e amarronzados; suas patas traseiras eram mais longas que as dianteiras, fazendo-o deslocar-se de forma estranha, como se ele fosse um ser desenvolvido para grandes velocidades e não para aproximações metódicas; uma grande cauda felpuda, espalhada no espaço como um S grotesco, foi a parte final do monstro a invadir a residência.
Hans não botava fé no que via. Era impossível a existência de algo tão truanesco. Aquilo era um tipo de esquilo monstruoso gigante! Seus olhos tinham que estar pregando uma peça em seu cérebro, ou o contrário! Fosse real ou não o que via, ele tombaria pelejando! Não era um neófito no calor do combate! No Adriático cravou sua espada no bucho de piratas sanguinolentos; no Estreito de Gibraltar não foi detentor do medo ao lutar contra os experientes marinheiros espanhóis; nem os turcos, com seus bloqueios, fugiram à sua lâmina sedenta! Aquele bicho cômico e grotesco sentiria o gosto da dor antes de tê-lo entre os dentes!
O ímpeto de fúria de Hans foi de pronto sustado quando ele percebeu que a criatura carregava em seu dorso uma donzela de ébano completamente destituída de qualquer peça de indumentária. Estava nua como a Primeira Mulher! Seus seis arrebitados moviam-se de comum acordo com os passos da sua exótica montaria; os lábios fartos e escuros transpareciam experiência, seus beijos deveriam ser narcotizantes; os olhos seguros e negros fitavam o marinheiro com desejo; ele excitou-se ao perceber isso.
Sabedora da ereção do homem que tinha diante de si, a amazona acabou por deixar um largo sorriso de marfim alumiar o coração combativo de Hans. Os dentes eram perfeitamente alinhados, sua robustez acerava os contornos ao mesmo tempo delicados e ríspidos da face negra. Não montava como uma dama inglesa: suas pernas estavam abertas sobre o pêlo do monstro, a vagina roçava na coluna da criatura. Gemidos quase inaudíveis escapavam dos lindos beiços da cavaleira: ela sentia prazer com as passadas do seu veículo animalesco!
As pernas, apesar de musculosas, não lembravam de modo algum as masculinas. Pelo contrário, seu formato era puramente feminino, a fortaleza dos dois troncos acentuava-lhe a cintura fina que aparentemente poderia ser tomada com uma única mão. Os cabelos eram curtos e rebeldes, escuros como a dona; não perdiam em nada para as mais cobiçadas cabeleiras lisas, em verdade era mais belo que qualquer uma delas: se mulheres doutras terras tivessem a chance de contemplar aquela coroa capilar, certamente a tomariam como moda para todo o resto de suas existências.
Completamente atônito com tanta graça. Hans, que havia de maneira inexprimível sobrepujado sua dor e se posto em posição de combate, caiu de joelhos. Como um cão choroso arrastou-se até o objeto de seu desejo e pôs-se a beijar-lhe os pés. O ser que a carregava foi por completo esquecido, apenas o desejo lhe comandava as ações. Enquanto maculava os pés da deusa negra com sua saliva, iniciou, com a mão esquerda, o ato nefando negado aos homens de fé: o pecado da masturbação.
Bombeou o liquido viscoso da vida com tanto vigor e desejo, que não foi capaz de perceber quando o freio do pênis arrebentou, o sangue inundou o chão, mas Hans não cessou a sua busca pelo gozo venéreo: mesmo que não tivesse aquela mulher, ejaculá-la-ia como nunca havia feito antes com qualquer outra. A rapariga se deleitava com a submissão daquele homem, seu rosto não esboçava sequer reação de surpresa. Hans estava esfolando o próprio pênis, tamanha a ânsia por concupiscência, e ela apenas continuava a gemer baixinho enquanto friccionava a vagina contra a coluna do seu acompanhante aterrador.
A cena que discorria era abjeta: um corpo ainda quente sendo consumido pelas gaivotas que tanto ansiaram a carne do náufrago jazia a poucos metros do ponto onde o mesmo sobrevivente do Mar masturbava-se como nenhum homem jamais se masturbara. Suas pernas, braços e mãos já tinham as verdadeiras cores alteradas pelo ardente liquido que vazava do ferimento aberto pela fúria luxuriosa que lhe inflamava. Se continuasse com aquilo, morreria.
Temendo perder seu novo escravo, a amazona ordenou, em seu idioma delicado, que o punheteiro sobrestivesse sua intenta. A voz da mulher apenas o fez ficar ainda mais interessado em seguir com seu objetivo primário: ele continuou. A cavaleira de ébano chutou-lhe o rosto, mas ele continuou! A cavaleira cuspiu-lhe na face, mas ele continuou! A cavaleira ordenou ao seu monstro que o assustasse, mas ele continuou! A cavaleira de tudo fez, mas ele continuou! E quando ela resolvera arrebatá-lo em definitivo com sua montaria atroz, eis a surpresa: o jato da vida lhe atingiu o belo rosto. Branco no preto. O homem desmaiou.
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