A AVENTURA DE HANS FALL NA ILHA DAS MULHERES NUAS - PARTE II


Hans adormeceu por longa data. Sempre que estava prestes a recobrar a consciência, as mulheres ministravam certo narcótico, extraído das matas da ilha isolada onde viviam, para que continuasse imerso nas suas quimeras pecaminosas. As amazonas divertiam-se imensamente assistindo o pobre rato do Mar debatendo-se como se com medo de algo ou movendo o quadril ritmadamente como se tivesse acima de si uma mulher. Noutras berrava como louco, parecia tentar fugir de alguém, nesses momentos protegia a genital com afinco, o que obrigava as rudimentares enfermeiras a fazerem o possível para que o paciente não pusesse todo o tratamento a perder.

Certo dia, o sol, ainda risonho e sarcástico, acordou-o novamente, como havia feito meses antes numa praia daquela estranha ilha. Meio tonto, Hans se levantou. O ambiente que o cercava era agora mais agradável que a casa daquela pobre moça que encontrara seu fim nas presas dum monstro sem coração. O local era bastante espaçoso, tapeçarias pendiam das paredes, que agora eram de alvenaria; diferente de antes, estava ele agora assentado sobre uma cama onde poderiam caber dez pessoas, era absurdamente aconchegante.


Antes que pudesse reparar noutros detalhes, tantos já haviam fugido à sua mente rígida de marinheiro, Hans acabou sendo deslumbrado por uma farta mesa: nela um banquete esplendoroso estava magistralmente servido. Aves assadas; porcos; grãos; bebidas! Um repasto toado somente aos reis. O intervalo de tempo entre a primeira visada e o inicio da comilança foi de poucos segundos. O esfomeado alimentava-se como um animal selvagem. “Malditas gaivotas”, pensava ele, “Agora as tenho em meu estômago!”.

A ânsia por boa comida era tamanha, que mais de uma vez o pobre se viu aflito na iminência de engasgar-se, nesses momentos tomava vinho, tão deliciosos quanto os que os portugueses importavam da Inglaterra. Num desses apuros, teve os tímpanos excitados por uma voz familiar que falava no idioma dos espanhóis, mais precisamente da região de Córdoba.

Hans de virou sobressaltado: era um homem volumoso, tão dominado de gordura que se não podia mais lhe distinguir as formas humanas, era uma esfera grotesca e sebosa que sacudia como uma gelatina carregada por um garçom despreparado; sua tez era morena, amaciada pelo sol, o olho casta-nho, perdido em meio à banha, só não era mais horripilante que a outra cavidade ocular oca e o sorriso amarelo, e faltoso de dentes, que tentava fugir por entre às placas densas de lipídeos que lhe tomavam a face. Apesar da fealdade vinha acompanhado por duas lindas donzelas totalmente nuas! Sobre a formosura dessas, poder-se-ia discorrer infinitamente.

“Hans!”. Começou a falar o gordo no idioma dos espanhóis. “Pensei que tivesse sido tragado pelo maldito Mar! Quando minhas meninas me falaram que certo homem, com suas características, havia sido encontrado, fiz de tudo para que elas controlassem aqueles animais repugnantes, sabe? Alguns deles vagam pela ilha como os cervos nos bosques dos nobres ingleses!”.

Não. Hans não sabia. Só agora ele se lembrava dos últimos acontecimentos. O naufrágio, as mulheres, o esquilo atroz, o próprio pênis! Estaria ele ali ainda? Receoso, ele acabou baixando as calças para verificar. Para seu alí-vio estava onde deveria, não teria que abdicar ao calor das mulheres como temera; parecia ainda funcionar. O obeso riu do que viu e então disse: “As mulheres por cá transam como demônias, mas não ao ponto de nos tornar eunu-cos!” Riu as gargalhas. Toda aquela massa de banha moveuse solidariamente com a cadência célere do riso do gordo, fazendo o esfomeado repudiar um pouco a cocha de gaivota que tinha na mão.

O moribundo Hans Fall não conseguia compreender a hospitalidade da-quele que acabou reconhecendo como sendo Ramirez, o espanhol mouro. Sim, era ele! O mesmo que certa feita havia dado combate, e perdido um dos olhos, a Manuel, o português, o pobre diabo que teve o corpo esmagado durante a tempestade que mandara a nau portuguesa aos confins do Oceano. Hans fora um clandestino no navio, tratado como um cão pestilento enfrentou as mais inumanas privações e humilhações, por que estaria o mouro tão interessado em seu bem?

Mesmo com esses pensamentos empertigando-lhe as idéias, Hans não pôde deixar de reparar no substancial aumento de manequim de seu ex-companheiro de tripulação: havia se avolumado assustadoramente. Há quanto ele estava naquela extravagante ilha para adquirir tamanha massa corporal? Fosse como fosse, que mal haveria em viver com pulcras mulheres e ter sem-pre à mesa boa comida? Não! Algo estava errado! Hans sabia, só não conseguia esmiuçar os detalhes.

“Lembra de mim, rapaz?”. Interpolou Ramirez, ansioso em ser identificado, como se fosse criatura importante de se conhecer. “Sim, és Ramirez, o espanhol mouro. Lembro do seu embate com Manuel, arrancaste o olho dele, assim como ele ao seu”. Respondeu secamente o comensal que seguiu no repasto pronto para reagir a qualquer tentativa de agressão por parte do ser caricato que lhe embaçava a visão das suntuosas vestais em sua vizinhança.

Empático à posição defensiva do seu convidado, Ramirez decidiu por abrir os braços em sinal de afeto, mas sua ação somente serviu para causar repúdio a Hans, que temia ser forçado a tocar tão triste ser; mesmo cumpri-mentá-lo era algo dantesco de se conceber. Ignorante ao modo repelente com qual agia, o mouro se pôs ao lado do conviva, juntamente com as mulheres que o acompanhavam. Com um gesto displicente ordenou que uma delas prodigalizasse agrados ao convidado. A donzela nua obedeceu sem questionamento, sentou-se, desprovida de pudor, sobre as pernas de Hans, que continuou comendo, mas já com outro prato em mente.

A voz rouca e o sotaque irritante do mouro espanhol quebraram os im-pudicos escopos que se formavam no cérebro macilento de Hans Fall: “Foste um grande miserável ao entrar clandestinamente no nosso navio”. Os vocábulos mal colocados de Ramirez arrancaram um olhar funesto do esfomeado, todavia, ele continuou a falar, fingindo não ter notado o desgosto que suas pala-vras estavam causando ao ouvinte: “Ainda sim, apreciei a sua cara, apesar de ser preguiçoso quanto ao trabalho no convés, eras um bom espadachim...”.

Interrompendo-o com aspereza, Hans pôs em pauta as questões que lhe interessavam: “Conheço minhas habilidade e fraquezas, não preciso que me diga como eu sou Ramirez”. O espanto dominou a face do mouro, na nau a-quele garotão esbelto não era tão arrogante, o choque dos últimos aconteci-mentos deveriam ter-lhe afetado o juízo, pensou consigo o gordo. “Quero saber onde estou. Quem são essas gentis mulheres? Esses monstros esquilo, de onde surgem tais demônios? Por que mataram aquela que me prestou ajuda? Como és tão respeitado nesse antro de anjos? Quem era aquela que maculei com meu jato de vida?”.

Um sorriso sardônico formou-se na dentadura pútrida do mouresco marinheiro. Sem cessar a amostra grotesca dos seus dentes, Ramirez movimentou-se mais rapidamente que se poderia esperar de alguém fadado a carregar tão desonrosa carga de banhas, bateu palmas três vezes, então um cortejo de oito donzelas de indizível beleza adentrou ao recinto: todas estavam nuas: as-semelhavam-se a criaturas recém chegadas ao nosso plano, a graça que ofe-reciam ainda não havia sido maltratada pelas intempéries e moléstias da vida terrena.

As mulheres deixaram seus lindos corpos escorregarem para o leito no qual há pouco Hans repousava. Metade do séquito detinha tez negra, o restante ostentava a pela alva. Nem mesmo o harém do mais bem sucedido califa árabe ostentaria beldades tão perfeitas. Olhar para aquela turba era como con-templar a junção celeste entre o real e o imaginário. Ali estava contida a perfeição das formas buscadas pelos pintores, a simetria perfeita ansiada pelos matemáticos desde os tempos de Aristóteles. Poder-se-ia dali mensurar o volume aspirado para a obtenção da fêmea celeste, cuja qual mesmo Deus não resistiria tomar em seus braços. Até seu Filho sublime abdicaria aos seus desígnios e as estupraria se cometessem o pecado de negar-lhe o prazer da carne.

Com a leveza com a qual a brisa da Primavera toca a pele dos homens, as beldades tocaram a pela de Hans; como o Verão, que varre as dermes da escória de Deus com seu chicote de luz e lhes arranca as águas do âmago, as mulheres afundaram Hans em meio ao suor das ninfas; com a frieza com que o Outono faz presente seu poder entre os homens, tomando-lhes as esperanças, as mulheres tomaram para si os pensamentos e as ações de Hans, fazendo-o escravo de praxes além da consciência, da moral e da fé; finalmente, evocando à Terra as forças do Inverno, as mestras da volúpia tombaram seu macho escolhido na mais pura frialdade, tornando-o hirto como a tudo que ousa enfrentar a força da nevasca.

O marinheiro se viu em meio aos campos coroados de flores, aromas santos tomavam suas narinas de assalto, como podia um simples homem, criatura suja e repugnante, ser agraciado com tal presente? Como que imerso num sonho, Hans não podia acreditar no que estava acontecendo, como que imerso num sonho, Hans acabou sendo arrastado à realidade pelos risos incômodos do gordo que observava toda a cena de prazer tendo o próprio falo em mãos, a coisa delgada, escura e tomada de veias, trouxe o nojo ao rosto de Hans, mas não ao ponto de desarmá-lo: as anjas que o cercavam não deixavam sua luxúria extinguir-se.

Tudo cessou de imediato quando a Deusa de Ébado surgiu, vinda não se sabe de onde, montada em seu ser animalesco. As amásias cessaram suas carícias e gemidos de prazer, mesmo Ramirez, sem ter tido tempo de pôr seu falo grotesco para dentro da calça, atirou-se de joelhos ante a presença da imponente mulher. Hans foi o único que manteve a postura, mesmo a fálica: ter aquela preciosidade novamente diante de si trouxe-lhe aos miolos imagens de lascividão que poriam em vergonha as orgias perpetradas por Calígula em seus palácios de depravação!

A amazona balbuciou algo em seu idioma, a frase curta e de fonemas delicados foi prontamente traduzido pelo gordo que espalhava suas banhas pelo chão: “Ela disse: desejas-me?”. Sem considerar como o espanhol mouro havia assimilado os segredos do idioma das autóctones, Hans se colocou ereto, em concordância com o próprio pênis, que muito antes da pergunta já havia esboçado a resposta. Um tanto surpreso com a naturalidade com o qual o antigo companheiro de navegação agia, a esfera de gordura olhou com o olho que lhe restava para a líder nua e abanou a cabeça positivamente, em resposta a cavaleira engendrou outra frase lacônica, não prontamente traduzida...

Hans Fall alternava sua visada entre Ramirez e a donzela sem nome. Ela tinha agora no rosto um sorriso sádico de vitória. O ex-camarada, por sua feita, engoliu a seco mais de uma vez, parecendo temer traduzir o que a bela mulher havia dito. A tensão irrompeu num grito de interrogação cuspido dos meandros da garganta de Hans: “Diga logo, homem! O que tenho que fazer para ter essa mulher?! Estou disposto a descer ao Inferno e arrancar as vísceras do Anjo de Luz se for preciso! Diga! O que tenho que fazer para sentir o calor de fêmea tão perfeita?!”.

Ainda assim o mouro repelente não atinou em responder, do rosto do infeliz começavam a brotar gotículas de suar terrivelmente refletidas pela luz abundante do ambiente, sua face nojenta se paralisou como se um espectro do Hades houvesse sugado de dentro de si a alma. Corriam no interior do crânio de Ramirez as mais terríveis lembranças: as surras da infância que frequentemente arrancavam-lhe o sangue das veias; a adolescência conservada em meio à imundice dos portos; a cena da única mulher que amou sendo dominado como uma égua pelo homem que ele chamava de pai! Nem a traição do seu próprio progenitor, seguida do esfolamento do mesmo e de sua amante pelas mãos do traído, sequer tangenciava o que a exótica cavaleira exigia!

“Diga! Ou arranco sua cabeça, mouro fedido!”. Hans agarrou a camiseta de Ramirez como um demônio que, por capricho do destino, consegue arrebatar a mais pura das almas. Em meio aos bombardeios de saliva que escapavam à cólera de curiosidade do marinheiro, o espanhol de ascendência árabe, finalmente, começou a dizer o que tanto vinha torturando sua mente: “Ela quer... Ela quer...” “Diga logo!” Com a paciência arruinada, Hans acertou o rosto do gordo, as banhas se moveram tentando imitar grotescamente as ondas do oceano. Humilhado, o ser repugnante foi ao chão, com um fio de sangue escorrendo-lhe da narina, a visão da mão de Hans Fall armando-se para nova ofensiva finalmente faz Ramirez gritar ao Mundo o que tanto o perturbava: “Ela quer que tu penetres minha órbita ocular vazia!”

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