NÃO CONSEGUIA MATAR ANJOS


Uma azia o queimava por dentro. Mas ele já estava acostumado. Sentado na velha poltrona em frente à TV desligada. Pensava em como completaria seu serviço, hoje era o prazo final. Ou fazia o que tinha que fazer esta noite, ou perdia a chance de faturar uma boa grana e largar de vez aquela vida medíocre.

Se bem que nada mudaria os seus hábitos, apenas as coisas que sustentavam esse hábitos. Ao invés do conhaque barato comprado no velho boteco ao lado do quarto que alugara, tomaria um wisky importado. Ao invés de ver seus filmes de suspense macabro e violência na sua velha TV, que já não funcionava direito, olharia tudo no mais sofisticado aparelho que existia. E tudo isso no conforto de um belo hotel, em alguma cidade com belas prostitutas.


Mas pra que tudo isso acontecesse, não podia dar nada errado esta noite. Bastava cumprir o trato, e esperar o pagamento , que seria efetuado minutos depois do fato consumado, como havia combinado com o senhor Tomas. Homem rico, dono de vários hectares de terras, além de sócio de algumas empresas de renome mundial.

Ele não lhe dissera o motivo de sua miserável missão, mas isso não era assunto de seu interesse. “Por quês”não estavam no combinado. Na verdade fora procurado, não por ter experiência no assunto. Mas por não ter nada a perder e ser conhecido do seu Tomas há alguns anos. Caçava junto com ele, e era o melhor na precisão de seus tiros, não errava nunca. Talvez fosse a única habilidade dele.

Mas as caçadas já não eram como antes e não lhe traziam mais nada de vantajoso. Teve que aprender outros ofícios: trabalhou em açougue, foi dono de bar, mas todo dinheiro que ganhava, gastava rapidamente, com bebidas, noitadas e mulheres. Tinha as marcas da vida desregrada na face. O cheiro de bebida, misturado ao perfume barato das prostitutas e ao sangue das caças e das carnes do açougue, estava fortemente grudado em suas roupas e em suas mãos, e isso seria para sempre.

Talvez a única lembrança daquela vida, depois daquela noite. As horas estavam passando rápido. Já eram oito da noite, as dez começaria seu serviço sujo, e a sua salvação. Preparou os utensílios, a pistola, o velho rifle de caça, que esperava não precisar utilizar, e a faca, caso os outros itens falhassem.Tomou mais uma dose de conhaque.

A azia o queimava ainda mais. As nove horas Entrou na camionete, emprestada pelo “patrão” e seguiu rumo ao seu destino. Clarice, esse era o nome dela. A amante preferida de seu Tomas, pelo menos até ter ameaçado contar tudo à sua esposa. Deixara de ser a preferida, para virar um problema. E problemas assim eram tratados sempre da mesma forma por seu Tomas: na base da bala e de sangue derramado. Era mais fácil assim, os problemas não voltavam da tumba. Os sete palmos de terra acabariam com qualquer chance de pertubação. 

E lá seguia ele. Atrás de Clarice. A sua caçada da noite. Esperaria no quarto de hotel que a jovem se hospedara, tinha as chaves, obviamente oferecidas por Tomas. Entrou no quarto, simples, mais elegante. Sentou no sofá. O perfume da jovem era divino e inundava o local. Sentiu receio, mais não podia falhar. Se falhasse, provavelmente seria o próximo a estar sete palmos abaixo da terra. Sabia demais.

Um barulho na porta interrompe suas indagações e lhe desperta o instinto de caçador. Se esconde atrás da porta do quarto, quer admirar sua vítima primeiro. Ela entra sorrindo e falando alto. E ai ele percebe que algo saiu fora dos planos, ela estava acompanhada por outra bela jovem. Clarice, loira de olhos claros, corpo com curvas proporcionalmente distribuídas, um anjo, um anjo pecador. Acompanhado de outro ser igualmente belo, porém de cabelos cor de fogo e olhos cor de mel.

Seriam as caças mais belas que iria abater. Acostumado a matar porcos do mato, veados e jaguatiricas. Agora estava confuso, teria que matar as duas. Não podia sobrar testemunhas. Entre esses pensamentos, percebe que o clima na sala esquenta. Então vê as duas se entregarem a beijos e carícias incandescentes. Elas nem percebem que alguém as observa.

Ele já não sabe o que fazer. Abre a porta do quarto, sabia que não devia ser assim. Aponta a pistola para as belas criaturas. Ao perceberem o estranho, as duas interrompem as carícias e se voltam para os mesmo. Os olhares se cruzam. Percebe nelas medo e surpresa. Elas percebem o mesmo no olhar dele. A arma apontada para Clarice. Bastava apertar o gatilho, o silenciador tornaria a cena imperceptível para qualquer outra pessoa fora daquela sala.

Ela pergunta assustada qual o significado daquilo. Oferece ao sujeito as jóias, o dinheiro, tudo que possuia. Ele em silêncio. A ruiva invade a cena e se oferece. Pergunta se é sexo que ele quer. Clarice acompanha a amiga. Ele permanece em silêncio. Tem em sua frente duas belas criaturas dispostas a fazer o que ele quiser. A dúvida invade sua mente. Poderia completar o serviço depois de saciar sua luxúria.

Todos os pecados poderiam ser cometidos naquela noite. Baixa a arma e se aproxima. Os três corpos se tocam. A azia já nem é percebida. Abraça Clarice enquanto recebe beijos da ruiva. Deita-a no chão. Deitam os três no chão, as roupas vão saindo dos corpos. O frenesi total. Sente a mão de Clarice em seu pênis. Ela massageia, faz movimentos de vai e vem. Às suas costas a outra se esfrega, os seios firmes na sua nuca. De repente sente algo frio transpassar-lhe a barriga. Algo perfura seu estômago. Uma dor quente lhe invade. A azia e o calor do momento tomam conta de todo seu corpo.

O sangue escorre sobre Clarice, que mostra-lhe um sorriso maldoso. Fica de joelhos e observa na mão do anjo ruivo uma faca. A sua faca, que trazia sob as botas, no caso da arma falhar. Olha desesperado para as mulheres. Tenta falar alguma coisa. Mas da boca o sangue escorre, ele pronúncia abafadamente apenas uma palavra incompleta: Vadi...

Elas sorriem. Clarice pega a faca e a transpassa rente ao peito dele. Ele cai pra trás. Ainda conseguiu ver as duas se beijando, a faca suja com seu sangue sujo no chão. As duas com suas línguas enroladas, gemendo de prazer. Poderia ter sido diferente, mas talvez tenha sido melhor assim. Descobriu que não era tão bruto como pensava. Só conseguia matar porcos do mato, veados e jaguatiricas.

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