Então tudo
se repete: a noite comum, as pessoas comuns, a busca comum... Todos ali,
perfilados de acordo com a moda da festa da moda, com seus tipos comuns,
ensejos, buscas e tudo o mais. Fico num canto da boate, só olhando. Ali no
canto tem um cara, é meio gordo, mas forte, parece que tem dinheiro. Carrega
uma cerveja, como a maioria das pessoas. Olha de um lado ao outro, parece que
em busca de alguém que nunca encontrará.
Há também
muitas mulheres. Todas impecavelmente arrumadas. São como os homens, mas sem a
cerveja e com roupas mais provocantes. Esperam, esperam e esperam... A noite
inteira encostadas numa parede ou grupo ou coisa parecida. Vez ou outra alguém
vai lá e fala com ela. Alguns são ignorados, outros são ouvidos; o método de
seleção é o mesmo das hienas: nesse mundo o podre prevalece.
“Isso tudo
não passa de um ritual fajuto!” Penso comigo. “O que eu tô fazendo aqui?” Chega
a dose, com atraso. “Ah, é isso...” Uma loira encosta no balcão.
“Me paga
uma bebida?”
Ela dá o
fora, a sinceridade nunca cola. O que ela queria era atenção, um cara qualquer
pra dizer o que ela precisa ouvir. Um cara pra exaltar suas qualidades
femininas de modo não explícito. Como o mancebo que logo depois dessa foi ter
com ela um papinho de boate. Sorriso no rosto, papinho no gogó, mãos
espalmadas, toques sutis no braço, depois na cintura, conversa divertida, sem
pressão, só alegria. O rapaz conhece a fórmula. Às vezes ela falha, não por ser
falha! E sim porque elas têm que demonstrar resistência às investidas
masculinas em pelo menos um momento da noite.
Termino a
dose. Decido entrar na festa. Logo ali tem uma. Minissaia, quase nua. Cerveja
na mão. Olhos pra lá e pra cá. Procura um homem. Ao lado, mais uma. Minissaia,
quase nua. Cerveja na mão. Olhos pra lá e pra cá. Procura um homem. Vejo ainda
outra, mais à esquerda. Minissaia, quase nua. Cerveja na mão. Olhos pra lá e
pra cá. Procura um homem. Trezentos e sessenta graus. Minissaia, algumas
calças, muitos olhos pra lá e pra cá, uns procuram homens, outros mulheres.
“Droga! Tô no meio duma orgia não declarada e ainda não comi ninguém!”
Falei meio alto. Pessoas ao meu redor me olham.
“Porra!
Vocês vêm pra essa droga de lugar, aqui é escuro, barulhento, fedorento e
quente! Ficam comprando bebida e enchendo os bolsos do velho gordo dono desse
lixo! Olham uns pra cara dos outros a noite inteira, ai um homem tosco qualquer
decide abordar uma dessas menininhas seminuas, por alguma providência divina
fala o que ela quer ouvir e começam a babar um ao outro com suas línguas
lascivas! O resto faz o mesmo, e ai começa uma putaria legitimada pelos rituais
de corte da nossa sociedade assassina e hipócrita! Por que não vêm aqui sem
roupa e transam duma vez?! Pra que todo esse ritual? Pra que fingir ser aquilo
ou isso? Por que não simplesmente conversar sem ficar o tempo inteiro tentando
ser isso e aquilo? Pra quê buscar falsas concepções de valor em coisas como
status, riqueza, beleza, falsa moralidade e conversas vazias?!”
O segurança
veio em minha direção. Agarrou meus braços por debaixo das axilas. Carregou-me pra
fora. Não resisti. Tinha tudo que queria. Havia feito tudo o que queria. Não
cai de joelhos ante a mesmice. Levei comigo o copo de conhaque. Fui para um bar
decente, com pessoas decentes. Ou seja, fui pra lugar algum. Ao menos lá a
dissimulação não é a lei, é o crime.
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