MÃO


Realmente minha mediocridade beira à loucura. Dessa vez perdi tempo tentando “infiltrar-me” num “novo” grupo social. Como sempre, consegui fingir o mínimo de humanidade para ser aceito. Fiz brincadeiras, não exige um só ponto de QI dos elementos do conjunto, por fim flertei com uma menininha e terminei tirando a virgindade dela. Resultado de tudo isso: um lençol manchado de sangue que tive de jogar fora. Procurei a garota por mais dois dias, mas ela parecia distante demais. Ela e uma amiga gorda (o par clássico) ficavam o tempo todo usando eufemismos baratos e ironias chulas enquanto eu falava.

Evidentemente a maioria das coisas que saiam da minha boca era lixo, mas eu falava assim mesmo, pois é essencial, nesse tipo de fenomenologia social, reduzir o linguajar ao nível dos presentes.

Vez ou outra eu fraquejava e tentava um assunto mais complexo. Nada. Nessas horas eu assumia o poder sobre os eufemismos e ironias, as boçais, naturalmente, não entendiam o recado. Dois dias! Foi o tempo que eu perdi com todo aquele lixo humano. Quantas equações eu poderia ter resolvido! Quantas notas musicais perdidas! Pelo menos um livro poderia ter sido assimilado nesse tempo! Mas mais uma vez eu me deixei ser atraído pela asneira alheia! Ao menos o meu objetivo principal foi alcançado durante o evento. Agora não vejo mais razões para continuar com tal processo social. Vou voltar aos meus afazeres, e quando sentir vontade de me jogar no poço da hipocrisia social, eu vou abrir minha garrafa de conhaque e beber em nome do nada.

É... O nada acabou ficando consigo mesmo e agora eu bebo para procurar interações sociais, não para evitá-las. Sinto que simplesmente não vou conseguir “aturar” uma pessoa comum se não tiver um pouco de álcool nas veias. A única testemunha da minha escrita é um copo cheio de conhaque. Esporadicamente eu paro e deixo que parte desse passivo observador invada meu corpo. Dessa vez a desculpa para beber é um “pseudo” encontro com mais uma garota. Ela não me parece inteligente, na verdade ela não me parece nada. Não entendo a necessidade de perder tempo com esse encontro, mesmo assim irei vê-la.

Enquanto aguardava o momento de encontrá-la, lembranças de uma conversa com um amigo tomaram vida. Brinquei com ele um dia desses, disse-lhe que iria procurar os AA. Sempre achei grupos de aconselhamento ridículos, mas agora acho que preciso de um. A necessidade de beber é quase que uma constante, é como formar uma barreira entre eu e o mundo. Quando bebo, sinto-me livre, viajo em mim mesmo, meu cérebro não encontra barreiras, os pilares cedem, os muros caem. Tudo fica mais belo... os problema dissolvem... as pessoas tornam-se interessantes. Quando a véu dissipa, caio de cara no meio de toda essa turba ignóbil que me cerca.

A pessoal comum da turba se preocupa muito e faz pouco, já eu, não me importo e não faço nada. Não me importo com a poluição do planeta, não me importo com o futuro da humanidade, com a fome no mundo, com a morte de alguém “próximo”. Mesmo que a minha mãe morresse hoje, acho que não derramaria uma só lágrima. O nível de frieza em que eu cheguei às vezes me assusta. O ódio que eu tenho por "sei lá o que" se manifesta em cada ação que eu faço.

Não sou violento ou totalmente isolado, não. O que eu faço é encontrar, ou tentar encontrar, em todos que conheço os “defeitos”, ou qualquer coisa que possa me convencer de que aquele ser é estúpido. Faço isso com todos e riu dos que conservam ideias propagadas pela geração passada, ou seja, zombo dos que querem constituir família, conseguir um emprego regular, dos que usam camisetas contra o uso de drogas, riu de tudo, em suma.

Sentado no sofá, olhei para minha mão, depois pensei naquela mulher, que na certa já estava me esperando. Mão, mulher. Par praticamente igual, com utilidades semelhantes, mas que geravam problemas bem diferentes... Matutando, cheguei ao real motivo do encontro: sexo. Ela também queria o mesmo, as mulheres sempre querem, a diferença é que elas adornam o ato com fantasias infantis de perfeição e romantismo. Trabalho demais. Preferi ficar com a minha mão: sem reclamações, sem romantismo. Somente orgasmo.

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