SOBRE HISTÓRIAS E MOSCAS – SEGUNDA PARTE: A AUSÊNCIA DO PROBLEMA DO OUTRO ENQUANTO DEPRESSOR DO ÂNIMO NA CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA PESSOAL


Novamente encontro-me frente à tela do computador, é o primeiro frio depois da última chuva.

Não há nenhuma mosca me incomodando, não há nenhum barulho me estorvando.

O silêncio é tão grande que posso ouvir minha própria respiração.

Sinceramente eu não saberia o que escrever se a mosca não houvesse aparecido aquele dia, assim como não sei o que escrever agora.


Ainda não me culpo pelo estupro fatal de meu peteleco, nem pelo sofrimento agonizante que antecedeu sua morte.

Culpo-me apenas por não ter aprendido a viver em harmonia com a mosca, sem ela não sei o que escrever. Mas já é tarde demais.

A mosca está morta, sinto que em breve eu estarei também.

Nenhum cadáver vira zumbi no mundo real, nem o meu e nem o da mosca. Quando mortos, somos todos iguais e isso me leva a concluir que as diferenças que concebi em vida eram apenas ilusórias.

Moscas não viram chimpanzés antes de morrer e nem o contrário, mas o cadáver de um chimpanzé é sempre tão morto quanto o cadáver de uma mosca.

Logo a diferença em vida era apenas ilusória, se as contingências da história natural fossem diferentes, talvez, então, eu é que teria sido vítima fatal do peteleco da mosca e aposto que ela também não sentiria pena de mim.

Não importa se é chimpanzé ou mosca, cada um em vida não passa de um cadáver adiado.

Enquanto cadáver adiado, o tédio “nadificar-me”.

Esse nada sem sentido que agora sou pode apenas lembrar-se com carinho dos tempos em que a mosca não estava morta e caçá-la com petelecos era um sentido que me fazia existir.

O ódio que nutri por ser um chimpanzé coexistindo com uma mosca acabou, talvez se ao invés de ódio eu tivesse amor na coexistência; a mosca ainda estaria aqui, dando-me motivos para existir, talvez.


Hipóteses de um passado melhor nunca servirão para melhorar meu presente. Sou um chimpanzé aqui. Sem ódio, sem amor, sem mosca e sem nada além de todo o meu niilismo.

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