Algumas pesquisas a mais, acabou se deparando com o endereço de um grupo que parecia entender bem do assunto e não demorou até ir ao seu encontro. Sala escura, cinco rapazes e as duas moças, reunidos no sótão de uma velha casa caindo aos pedaços. Diversas pinturas curiosas feitas sobre as madeiras que forravam o ambiente iluminado por velas.
- Tem certeza de que isso vai me ajudar a encontrar uma resposta? – disse.
- Certamente, o ritual jamais falha.
- Você não deveria ter saído daquele jeito no meio do ritual! Se é coisa do diabo, vai que ele se zanga e joga uma praga em você, uma doença, sei lá!
Paranóica, estava certa de que o melhor a fazer era consultar um médico.
- Diga-me, doutor, eu vou morrer?
- Ora, minha senhora, todos um dia vamos, mas não se preocupe, o seu dia ainda não chegou. Está tudo bem com a senhora. Mas por que me procurou assim, tão aflita?
- Sabe o que é, doutor? Eu estou com um problema e cada vez que procuro alguém para me ajudar, acabo me enrolando mais... Será que o senhor não poderia me responder uma coisa?
- Pois não?
- Doutor, por que meninos nascem com pênis, enquanto as meninas, sem ele?
- Ora, é simples. Meninos nascem com pênis e meninas sem, porque esses atributos anatômicos são dados pela diferença de gênero, garantida no momento da fecundação, de acordo com os cromossomos selecionados.
- Cromossomos selecionados no momento da fecundação?
- Façamos assim: já que é tão importante para você solucionar essa questão, vou encaminhá-la para um amigo meu, um biólogo professor da universidade aqui próxima. Ele vai poder esclarecer melhor essa sua dúvida, o que acha?
E assim foi feito.
- Boa tarde, o doutor disse para procurá-lo, será que poderia me esclarecer uma dúvida?
- Pois não, ele comentou comigo que foi, antes, procurado pela senhora com uma dúvida a respeito de reprodução, certo?
- Na verdade, eu queria saber o que são cromossomos e o que eles têm a ver com a diferença de gêneros e os atributos anatômicos garantidos na hora da fecundação, como o doutor falou...
- Bem, vejamos. Todos nós, seres vivos, temos em nosso corpo células com características próprias, herdadas de nossos pais. Quando fomos fecundados, as características passadas por nossos pais se misturaram, foram selecionadas e deram origem ao que somos hoje. Essas características são passadas pelos cromossomos das células, que guardam o material genético, o DNA. Só que a escolha do sexo ocorre aleatoriamente, de acordo com a combinação de dois tipos específicos de cromossomos, chamados X e Y. Para nascer menina, tanto o cromossomo herdado do pai, como o da mãe, deve ser X. Já para nascer homem, um deles deve ser Y. É assim que se determina o sexo das crianças. Entendeu?
- Então quer dizer que os gêneros existem por que existem os cromossomos?
- Sim, e sem eles, não haveria vida, pois não haveria como perpetuar as espécies.
- E por que há vida?
- Bem, a vida... A vida tal como a conhecemos existe graças a uma série de reações químicas... Sala 22, terceira porta à esquerda. Lá você encontrará um outro professor, um químico. Diga a ele que eu a mandei até lá, caso esteja curiosa sobre isso também, ele saberá como explicar.
Três portas depois, lá estava ela, novamente, sentada, conversando com um professor de química que lhe falou sobre as cadeias carbônicas da matéria, o que a fez consultar um novo professor, dessa vez um físico teórico, pois ela também queria entender um pouco mais sobre essa tal matéria.
- O universo é constituído de matéria e anti-matéria, ele disse. - E nós somos parte daquilo que chamamos de matéria. Nós e todo o resto que conhecemos. Em algum momento da existência cósmica, talvez, a interação entre a matéria e a anti-matéria tenha ocasionado aquilo que chamamos de Big Bang, fazendo com que, do que antes era tido como o nada, surgisse tudo o que temos hoje.
- Mas... Se não havia nada, por que, em algum momento, algo poderia acontecer? E quando aconteceria?
- Na verdade, dizer que não havia nada e dizer que havia o nada, são coisas bem distintas. Havia o nada. E do nada, surgiu tudo... Mas, então, a sua dúvida começa a se encaminhar para o ramo da metafísica e, creio eu, que nada melhor do que um filósofo para ajudá-la.
- Posso encontrar um filósofo aqui também?
- Como não? No final do corredor, o professor ainda deve estar em sua sala a essa hora.
Porta entreaberta, observava um senhor curioso, perdido entre livros e papéis que pareciam tomar conta da pequena saleta. Batendo com insistência para ser notada, foi convidada para entrar e se sentar em alguma possível cadeira existente em meio à desorganização acadêmica, levando até o professor seu questionamento.
- Então, você deseja saber qual é este princípio metafísico do mundo? Bem... Ao longo de nossa história sempre atribuímos isso aos deuses e deixamos essa pergunta para ser respondida pelos religiosos. Hoje, acreditamos que isso está além de nossa capacidade cognitiva, e é essa limitação que nos impede de encontrar uma “resposta”. É isso. Simplesmente, não há uma resposta. Não agora.
Dez horas. No telefone, sua amiga convidando-a para mais uma tarde no Shopping Center. Café da manhã, banho quente, espuma. Horas em frente ao espelho, arrumando-se. E um delicioso cappuccino esquentando a tarde e animando a conversa das duas amigas.
- E então, conseguiu encontrar uma resposta à questão que tanto a atormentava? Nunca mais comentou nada comigo... O que foi que aqueles professores disseram, afinal?
- Pra ser sincera, depois do médico, todos eles vieram com um papo enrolado, cada vez pior, sobre X e Y, matéria, anti-matéria, metafísica... Então, acabei chegando a uma conclusão própria.
- Qual?
- Voltei naquele médico e acabei fazendo de vez a cirurgia de troca de sexo.
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